Surpresas para um ex-presidiário



02/07/2019


Eu jamais imaginaria que hoje estaria nesta situação. Eu não tinha noção do que iria encontrar lá fora, até porque em uma cidade pequena como Failland — ou, talvez, em qualquer outra — o que prevalece é tudo, exceto o respeito e muito menos a justiça que tanto clamam. Porém, eu também sabia que o mundo constantemente mudava de alguma forma, então eu me dei conta que por enquanto iria continuar sendo uma grande incógnita. Eu sabia o que tinha feito e o que não tinha feito, e isso me deixava um pouco mais confortável diante de todo aquele acontecido.


Cá estou eu, saindo de uma prisão suja e fétida em um dia totalmente nublado com seu cinza característico, apenas carregando uma mochila nas costas e portando algumas peças de roupas que já não me serviam mais depois desse tempo de alguns anos.


Foi muito duro pra mim tudo o que aconteceu. Fui condenado por um crime que não cometi, perdi contato com meus pais e a única pessoa no mundo que me restava era a minha tia Natalie. A cidade toda com certeza estaria contra a minha pessoa. Digo isso porque a versão de um simples "viadinho" — já ouvi tanto esta palavra — jamais seria tão forte ou tão verdadeira aos ouvidos de uma população conservadora quanto a do filho de alguém tão importante: o homem que me condenou.


Finalmente estou caminhando na direção dos portões daquele lugar. Seria difícil esquecer das péssimas memórias que eu tinha dali, mas eu tentaria por mim, porque a minha vida não podia parar. Isso jamais!


Cada passo que eu dava, um misto de sensações se formavam dentro de mim nos maiores níveis de intensidade. Inevitavelmente várias perguntas foram formuladas dentro da minha cabeça. O que iria ser de mim? Será que alguma coisa mudou depois que eu fui preso? E, finalmente, veio o questionamento que mais martelava na minha mente durante todo esse tempo: como será a minha relação com meus pais? E foi daí em diante que eu comecei a me questionar se talvez não seria melhor permanecer na prisão.


Minha expressão estava fechada, como na maior parte do tempo, e isso também era algo inevitável. Mas foi quando coloquei os pés na rua que ela mudou totalmente. Eu agora sentia a liberdade percorrer nas minhas veias, ou pelo menos parte dela. Joguei meus olhares por todos os lugares e, após poucos segundos, vi ela ali, em pé, me olhando com seus olhos azuis totalmente marejados e carregando uma emoção com um misto de alegria em sua expressão. Natalie correu até a mim e me abraçou como se fosse o último abraço que daríamos. 


Após alguns segundos sem qualquer reação, pude desfrutar totalmente daquele abraço aconchegante e quentinho quando me permiti retribuir o seu gesto singelo de carinho e apoio. A abracei com toda a força do mundo e desmoronei em lágrimas e algumas fungadas incontroláveis por conta do choro incessante. 


O abraço foi demorado, mas eu senti como se tivesse passado apenas alguns poucos segundos. Ela me observou com toda emoção do mundo naquele olhar.


— Meu amor! Você está bem? — perguntou-me.


— Eu… eu estou... confuso, né? Muito confuso! — respondi, soltando um riso logo em seguida.


Ela soltou uma risada, na tentativa de quebrar o que restava do clima pesado da prisão.


— Não se preocupe. Eu vou te explicar tudo direitinho e te instruir no que precisar. Ai, só deus sabe o quanto eu penei esses anos. Estou tão aliviada em te ver livre!


Mais um abraço se formou ali no meio da rua, desta vez carregado de muita alegria e euforia. Após o abraço, eu fiquei observando a minha tia por algum tempinho e pude notar o quanto ela tinha mudado desde a última visita: seus cabelos, antes amarronzados, agora estavam loiros em um tom bastante claro, o que a fez parecer ainda mais jovem do que já aparentava. Seus olhos eram em um tom de azul lindo, nem tão claro, nem tão escuro. Seus traços pareciam ter sido esculpidos por algum anjo, e eu me perguntava o que aquela mulher estava fazendo da vida quando poderia estar estampando a bela capa de alguma importante revista.


— Gostou da cor? Eu estava há tanto tempo desejando dar um tapa no visual que, quando fiz, foi no tom certeiro. — perguntou ela, balançando seus lindos fios recém-tingidos.


— Eu amei, tia. Você realmente acertou em cheio no tom, ele combina muito com você! — disse-lhe gentilmente com um sorriso.


— Muito obrigado! Você também não está nada mal pra quem acabou de sair da cadeia. Eu vou te levar pra dar uma cuidada nesses cabelos lindos! — falou num tom gentil e carregado de entusiasmo.


Solto um sorriso em agradecimento pela ideia, que me pareceu muito boa logo de cara.


— Agora vamos embora que preciso te contar muitas coisas sobre tudo que aconteceu. Aposto como você deve ter muitas dúvidas! — solta minha tia, fazendo-me suspirar de receio por ter de volta aquela sensação de incerteza.


— Ôh, você nem imagina o quanto! — digo, ainda meio receoso.


Após esta breve conversa, seguimos andando pela enorme e larga rua em frente à saída do presídio, brincando como duas crianças enérgicas indo em direção ao carro.










Após uma breve parada para abastecer, estávamos entrando em um restaurante simples, porém com um aspecto bem conservado e aconchegante com suas colorações vivas e claras. O movimento ali não era tão intenso, mas também não era tão parado. Algumas pessoas comiam tão concentradas, enquanto outras conversavam amigavelmente com sorrisos nos rostos. Caminhamos até uma das mesas ao lado das grandes janelas e nos acomodamos.


Pude observar que em uma das mesas estavam alguns adolescentes que aparentemente tinham a mesma idade que eu quando tudo aconteceu. Eles estavam se divertindo bastante. A alegria ali parecia inabalável, e eu também consegui imaginar o que perdi por causa da justiça injusta de qualquer lugar.


O caminho até aqui foi nada menos do que… desconfortável. Não por estar ao lado da minha tia, jamais. Ela era, neste momento, a pessoa com quem eu mais me sentia confortável no mundo. Acontece que no caminho eu senti tudo o que eu já temia sentir ao sair daquele lugar: vários olhares estranhos, tortos e — os piores deles — de julgamento. As pessoas não eram bobas, elas sabiam quem eu era, também não apagaram e nem apagariam tão fácil da memória o que aconteceu.


Eu não estava surpreso, mas talvez um pouco revoltado com aquela quantidade de pessoas jogando olhares para cima de mim mesmo depois de tanto tempo do que ocorreu. Estranhei, mas logo em seguida consegui entender o porquê daquilo tudo: a TV do restaurante estava sintonizada no canal de notícias e o meu rosto estampado ali; a repórter dizia que hoje eu estaria saindo da prisão. 


Após as suas palavras, várias pessoas me olharam instantaneamente. Algumas saíram lentamente do local por medo, creio eu. Eu me sentia envergonhado, humilhado e injustiçado da pior forma. Não era eu quem deveria estar naquela situação agora, não era eu quem deveria estar sentindo todos esses sentimentos ruins. Foi inevitável deixar escapar algumas lágrimas e abaixar a cabeça diante de toda aquela situação.


Minha tia alternava seus olhares de revolta e de pena entre as pessoas e eu, respectivamente. Ela estava prestes a levantar para brigar com as pessoas, mas eu impedi a segurando o braço, fazendo-a permanecer sentada.


— Deixa! Eu não estou surpreso. — digo, com uma tristeza infinita na voz e na expressão.


Ela segura as minhas mãos em um gesto de apoio e me olha no fundo dos olhos.


— Eu vou estar do seu lado pro que der e vier, está me ouvindo?


Levanto lentamente o rosto e a devolvo o olhar. Sinto sua sinceridade no fundo da minha alma e em resposta só consigo balançar a cabeça positivamente em agradecimento.


O restante do almoço foi tranquilo em partes, não fosse por mais alguns olhares carregados de julgamento e desprezo. Não conversamos sobre o que queríamos conversar por estarmos em um lugar público e com nenhum tipo de privacidade, então deixamos para depois. E o questionamento que me fiz ao ser solto continuava martelando na minha cabeça a todo momento. Será mesmo que não seria melhor eu ter continuado na cadeia? Porque olha... se meu primeiro dia em liberdade tem sido tão… angustiante assim, imagina os próximos? Eu continuava não sabendo ao certo o que me esperava após esses episódios, mas no fundo eu tinha acabado de ganhar alguma noção. E infelizmente as minhas previsões eram nada boas!










Aos poucos a noite ia caindo. A lua já aparecia e, junto com ela, o vento carregando um frio ainda mais gostoso, que eu sentia em meu rosto de olhos fechados e com cabeça escorada perto da janela do carro, que se encontrava aberta. Minha tia dirigia com atenção e por vezes dava algumas olhadas na minha direção numa clara mania de cuidado, o que me deixava feliz por saber que alguém ainda se importa comigo e me quer bem.


No som tocava uma música sonoramente muito agradável que eu não fazia ideia de como ela se chamava, mas que eu tinha certeza que era da Taylor Swift por causa da voz inconfundível para mim. Ela sempre esteve entre as artistas que mais ouvia, então não foi difícil chegar nesta conclusão.


Curioso para saber qual música era aquela, estiquei meu pescoço e observei o visor do aparelho de som: a canção que tocava recebia o título "Delicate". Uma parte do início da letra me chamou atenção e eu logo soltei um riso tentando me conformar com a situação. "Minha reputação nunca esteve pior". Sim, Taylor, a minha também nunca esteve pior!


Analisando a minha reputação junto à cantora, me peguei pensando em tudo que aconteceu. Eu não gostava de relembrar, mas sei que um hora ou outra aconteceria — já aconteceu da pior forma possível, inclusive — e eu iria precisar bater de frente e ser forte, mais forte do que eu já havia sido nos últimos anos.


Mergulhando em meus pensamentos, não consegui sentir o tempo passar e, quando me dei conta, já estávamos estacionados em frente à casa da tia Natalie. Ainda dentro do carro, observei as redondezas: era um bairro simples, mas bonito e que parecia ser bem cuidado. Lá fora minha tia já trocava algumas palavras com os vizinhos. Eles sorriam gentilmente uns para os outros e isso era algo que me contagiava, me fazia ter esperanças do ambiente ser menos hostil em relação a mim.


Alguns segundos se passaram e eu resolvo sair do carro. Abro a porta lentamente, destravo o cinto de segurança e saio hesitante. O clima continuava frio e eu era apaixonado por ele. Senti a brisa gostosa em meu rosto ainda mais forte e lancei meus olhos em direção de Natalie, que agora conversava com outro vizinho, de aparência bem mais jovem e com um sorriso que… era bem bonito!


Tia Natalie deu um aceno para mim e me chamou com um gesto e um sorriso gentil. Andando até lá, senti um receio inevitável por conta de questionamentos pertinentes sobre qualquer pessoa que não fosse a loira: será que vão me tratar mal? Será que eu vou ser humilhado? Linchado? Ou talvez, assassinado? Minha resposta automática: talvez, esses riscos existiam e eu deveria tomar certos cuidados. E assim eu fui, cheguei ao lado deles e logo fiz questão de abrir o meu melhor sorriso.


— Bom dia! — me cumprimentou o jovem rapaz. Ele possuía olhos também azuis, cabelos pretos e, como já disse, um belo sorriso que logo me causou arrepios instantâneos.


— Bom dia… — lancei um olhar de dúvida a ele, que parece ter entendido minha vontade de saber seu nome.


— Mitchell! Você deve ser o Mark. Seu nome eu já sei porque essa garota aqui não parava de falar sobre você, toda ansiosa!


Minha tia sorri e o fuzila com o olhar, fazendo-o achar graça rapidamente.


— Eu estava ansiosa mesmo. Poxa, fazia tanto tempo que meu sobrinho não ficava perto de mim. Estava morrendo de saudades! — se defende tia Natalie, me fazendo ficar ainda mais feliz por toda essa recepção fervorosa de quem eu realmente esperava.


— Então provavelmente você já deve ter enjoado de mim antes mesmo de me conhecer pessoalmente! — brinco, ainda alegre.


— Que nada, é difícil eu enjoar de pessoas! — me responde o rapaz, mantendo o mesmo sorriso.


— Mitch, eu e o Mark vamos ter que entrar um pouco pra arrumar as coisas dele. Passa aí mais tarde pra gente bater um papo, seria tão legal! — propõe minha tia, bastante entusiasmada.


— Pode deixar que eu passo sim. Aposto que o Mark sabe bastante podres seus, então eu vou querer saber de todos! — diz Mitchell, fazendo-nos gargalhar por alguns segundos.


— Pode apostar como sei. E eu vou fazer questão de te contar!


Mitchell coça sua nuca e nos olha mais uma vez.


— Éh… então eu já vou indo. Vou deixar vocês sozinhos! Até mais! — ele se despede e lança mais um sorriso daqueles que qualquer pessoa poderia ficar olhando o dia inteiro sem enjoar.


Ele se vira e sai, deixando eu e minha tia sozinhos, o observando partir. A mulher segura meu braço e me arrasta até a porta, prestes a abri-la.


— Simpático, né? — me questiona ela, 


— Muito! Eu fiquei surpreso por ele não ter me feito nenhum tipo de julgamento ou me lançado alguma olhada feia. — digo, ainda contente.


— Fica tranquilo, o Mitch já sabe de tudo e acredita na sua inocência. Eu fiz questão de contar!


— Hmm… — balanço minha cabeça positivamente e imediatamente fico aéreo.


Após as palavras daquela loira, naturalmente fiquei surpreso. Era difícil de crer que alguém ainda dava crédito para minha versão ao ponto de acreditar. Uma alegria imensa tomou conta de mim por dentro, tão grande que acabou me deixando com um sorriso no rosto. Apesar de todos os pontos negativos, de agora em diante eu precisava colocar os positivos na frente de tudo. E isso se eu quisesse ao menos suportar, não é mesmo?


Após alguns segundos perdido em meus pensamentos, pude prestar atenção na casa à minha frente. Era uma moradia simples, mas aparentemente muito aconchegante: tinha tamanho e altura médios, sua coloração era em tons de preto e branco, que rapidamente encheram os meus olhos e, no andar de cima, duas janelas, que só podiam ser dos quartos, me encaravam amigavelmente como se fossem os olhos de tia Natalie. 


Consegui comprovar minhas primeiras impressões ao cruzar a porta de entrada. De fato era tudo muito bem organizado e decorado.


"Só podia ser a casa dessa loira super detalhista mesmo!", pensei comigo, soltando um risinho em seguida.


— E então? Gostou? Eu sei que não é muita coisa, mas... — a loira me olha entusiasmada e ansiosa pela minha resposta, o que me contagia de alguma forma.


— Você tá brincando? Eu adorei! É tudo muito bem organizado e decorado, só podia ser algo minuciosamente pensado por você mesmo. — digo isso e solto uma risada.


— Ah, para. Nem tá tão bem feito assim. — diz ela, tentando não se gabar. — Eu tive um problemão com o primeiro e único decorador, você tinha que ver. Ele querendo fazer uma coisa e eu batendo o pé pra fazer outra. Deu a maior briga e eu quase jogo ele do segundo andar! — ela termina de falar e solta uma gargalhada divertida, e eu a acompanho.


Tia Natalie tinha lá seus quarenta e poucos anos, mas a sua alma era de uma adolescente bastante descolada. Eu a admirava por toda essa alegria contagiante em qualquer situação.


Minha relação com ela sempre foi de muita amizade e cumplicidade, muito melhor que a minha com a mãe, se comparando. Apesar da considerável diferença de idade entre nós, ela parecia se encaixar muito bem no meio de pessoas na minha faixa de idade, e inclusive gostava. Era a típica adulta que nunca perdia o ar de moleca e a alegria de uma jovem em seu ápice de euforia. O mesmo, infelizmente, não podia falar sobre mim. Eu perdi tudo isso, mas também não queria ficar me lamentando o tempo inteiro. Se eu queria mesmo uma vida normal, eu deveria tentar esquecer o quanto antes. Pelo menos considerando a teoria, porque na prática eu sei que vai ser difícil.


Após esse pequeno tempo praticamente flutuando de tanto pensar, resolvo prosseguir com a tour pela minha nova casa. Fiquei encantado com os detalhes minimalistas que davam um ar clean ao ambiente. Aqui dentro tons majoritariamente em preto e branco também ganhavam destaque e isso me deixava cada vez mais animado, afinal eram as minhas cores preferidas desde sempre.


A sala possuía uma tv, que aos meus olhos era bem grande presa em um painel acima de um hack não muito espaçoso; um sofá de canto aparentemente bem confortável; um carpete bastante felpudo e uma pequena mesinha de centro.


— Estou vendo que você gostou mesmo, e eu fico muito feliz por isso. Você merece! — ela me lança um olhar que me abraçou à distância. Senti muito carinho e muita ternura ali. Em seguida, só consegui retribuir da mesma forma. — Bom, vamos ver o seu quarto? Eu preparei ele do jeito que você sempre gostou, e eu aposto que você vai amar ainda mais!


— Vamos? Eu estou muito ansioso! — sorrio, entusiasmado.


Caminhamos mais um pouco, bem lentamente — afim de observar a casa com atenção — até chegar nas escadas. Subimos sem hesitar e chegamos no pequeno corredor, tão bem clareado por conta de uma janela consideravelmente grande no final dele. Ela estava fechada, mas as cortinas, abertas. Ela me leva até o meu quarto e, ao adentrar o cômodo, me surpreendo com ele apenas ao bater os olhos: era exatamente como o antigo na casa dos meus pais.


De repente uma sensação de nostalgia cresce dentro de mim. Uma nostalgia não ruim, mas também não tão boa. E ali automaticamente eu fico paralisado, inerte e totalmente preso no passado.


Era aqui nesse quarto — na realidade, no original dele — que eu chorava praticamente todos os dias após a escola. Eu saía de lá, vinha correndo pra cá e, no mesmo pique, subia diretamente pro meu quarto pra afogar meu rosto no travesseiro e extravasar toda a minha tristeza de uma manhã inteira sendo vítima de homofobia. Era rotina e meus pais nunca perceberam. E pra ser sincero nem podiam perceber, porque eu tinha medo da reação deles e, agora, depois de todos esses anos encarcerado, eles não terem ido ao menos me buscar na porta daquele presídio sujo já diz muito sobre tudo o que sempre suspeitei.


Todos os detalhes desse quarto me lembravam algum momento. Seja quando me batiam, quando me xingavam, ou até mesmo quando formavam uma rodinha para me humilhar de alguma forma.


Neste momento eu passeava lentamente por cada móvel daquele cômodo. Era como se eu estivesse adentrando o maior monstro da minha vida, ao mesmo tempo que era também um dos maiores refúgios que eu tive.


Ao olhar aquele travesseiro confortável e vestido com uma fronha branca, eu não consegui segurar. Lágrimas rolaram, soluços ecoaram e eu já entrava em completo estado de desespero. Estava chorando feito uma criança desamparada que precisava de um colo.


Neste momento eu relembrava de períodos sombrios da minha vida. Eram lembranças dolorosas, mas também eram lembranças que me faziam ter ainda mais certeza do quão forte eu sempre fui, do tanto de coisas que eu tive que suportar e ainda estou aqui vivo, ou pelo menos sobrevivendo. E cada segundo que passava relembrando, mais forte eu ficava e isso me fazia bem.


Tia Natalie me observava com sua expressão preocupada. Ela se aproxima de mim e, lentamente, me envolve em outro abraço.


— Eu fiz mal em reproduzir seu quarto, não é? — ela se sentia culpada e eu não queria que fosse assim. De modo algum. Eu a olho por alguns segundos, ainda chorando, e volto meu olhar de volta pro travesseiro.


— Não. Você não fez mal, muito pelo contrário! Observando isso aqui… pode parecer que não, mas me fez bem. Me fez lembrar de tudo o que eu já passei e de como eu fui forte esse tempo todo. — Eu respirava fundo, tentando me acalmar.


Começo a andar até a cama e, a cada centímetro a mais que eu me aproximava, meu coração batia ainda mais rápido.


Ao chegar nela, não perco tempo e logo me sento. Ela era macia, como eu me lembrava. Aos poucos eu fui deitando e, assim que encostei minha cabeça naquele travesseiro, foi como se todos os problemas da minha vida desaparecessem. Meu coração se acalmou, assim como todo o meu corpo e uma sensação maravilhosa de relaxamento me possuiu. Fechei meus olhos após alguns segundos e, logo em seguida, apaguei.










Lentamente vou abrindo os olhos e retomando a consciência após um profundo cochilo. Não sei quantas horas se passaram, mas logo percebo que me fez bem ao sentir meu corpo leve e meu coração calmo.


Me levanto sem dificuldade e vejo que estou sozinho no quarto. Perto da porta há um espelho de tamanho considerável, muito provavelmente eu conseguiria me ver por completo ali. Fazia um tempinho que não me olhava em um espelho, e, pensando nisso, a ideia parecia ser muito boa.


Vou até o espelho, paro em sua frente e ali eu me observo, atentando a cada detalhe: eu estava mais branco do que nunca. Essa foi a primeira coisa que concluí e, lembrando vagamente de como eu era, consegui ter certeza de que precisava tomar um bom sol para voltar a ser como antes — apesar de que a última coisa que espero ver nessa cidade, é o sol. —. Meus olhos azuis continuavam nessa coloração, meus cabelos negros estavam acabados e isso me deixou desesperado.


Quando eu era adolescente, meu maior cuidado comigo mesmo era com os fios. Não deixava ninguém chegar perto após tê-lo arrumado. Se alguém o fizesse, iria ver uma pessoa totalmente diferente em sua frente.


Sorrio após essas lembranças, retiro minha camisa — esta em um tom de azul fraco — e torno a me observar no grande espelho: eu estava mais forte fisicamente, talvez pela genética. Alguns músculos não tão grandes estavam razoavelmente visíveis e eu gostava disso. Estava também mais alto e… eu não vou negar que sempre gostei de admirar uma parte do meu corpo que eu amava, sentia orgulho e… que vergonha hahaha!


Resolvo desabotoar minha calça jeans e a tiro em seguida, ficando apenas com uma cueca boxer vermelha e indo direto ao ponto: "meu bumbum continua bonito como sempre", penso ao observá-lo com a calma de sempre. Minhas coxas, também abençoadas pela genética, estavam mais fartas do que nunca. Bom, ao menos um físico do meu agrado consegui manter. Nem tudo estava perdido!


Após mais alguns segundos ali na mesma atividade, resolvo que chegou a hora de dar o ar da graça. Entro rapidamente no banheiro, tiro minha cueca, logo em seguida entro no box e ligo o chuveiro. A água é quente e, por um momento, relembro de como era bom chegar em casa nos poucos dias em que tinha paz e tomar um bom banho quentinho e relaxante.


Assim que termino, escovo os dentes, saio do banheiro e me visto com uma outra cueca — esta sendo preta — e um short confortável também preto. Logo em seguida ponho uma camisa branca, arrumo meus cabelos com muita atenção e cuidado, como sempre fiz, passo desodorante e saio do quarto. O caminho até a escada foi longo, isso porque a medida que ia me aproximando, ouvia vozes razoavelmente altas. Parecia ser uma discussão.


Eu estava com meu coração pela boca. Mil e um pensamentos iam e vinham na mente, e assim que cheguei no alto da escada, fui descendo lentamente até conseguir saber com certeza o que estava acontecendo: minha mãe estava ali. E em uma discussão fervorosa com minha tia.


Continua...


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