A passagem é dura



Todo o meu receio provavelmente estava mais do que estampado em meu rosto. Sabe quando uma criança vai ao dentista pela primeira vez arrancar um dente? Bem, eu sentia a sensação de medo e nervoso mil vezes mais intensa.


A discussão entre tia Natalie e minha mãe estava mais do que fervorosa neste momento. Eu tentava prestar atenção em todas as palavras proferidas por ambas, mas a única coisa que eu conseguia mentalizar era a expressão de decepção da mãe naquela noite horrorosa. Era como se ela estivesse me olhando mais uma vez, com lágrimas caindo em suas bochechas e fazendo com que eu tenha certeza de que a minha pessoa era a única causa daquilo.


"Você não pode deixar aquele delinquente morar aqui. É pedir pra ser linchada!"


Era o que a dona Christine falava repetitivamente com diversas palavras diferentes.


"Ele vai morar comigo sim, querendo você ou não. Você ainda não entendeu, não é? Cê tem direito algum de me cobrar o que quer que seja, muito menos de julgar o seu filho como se ele fosse a pior pessoa do mundo."


Minha tia falava como se estivesse cuspindo mágoas pesadas no rosto de Christine.


"Ele se tornou a pior pessoa do mundo quando tentou matar alguém. Ele é um psicopata, um assassino que merece mofar na cadeia pra aprender de uma vez. E além disso, ainda tem o fato dele ser um…"


Aquela discussão sobre mim estava indo longe demais, então eu não consegui me segurar.


— "Um" o quê? Um viadinho? É isso? — e então eu vou caminhando até ela após interrompê-la. — Olha lá como é que você vai falar comigo, porque não vou aceitar qualquer tipo de xingamento. Eu já ouvi demais!


Tia Natalie me observava cheia de receio.


— Mark, vai lá pra cima…


— Não, tia. Tá tudo bem! Eu já sabia que iria passar por isso uma hora ou outra e também já esperava que esta mulher tivesse essa visão sobre mim. — digo sem tirar os olhos de Christine. 


A mulher me olha no fundo dos olhos, com uma expressão carrancuda, parecendo que a qualquer momento vai avançar para me bater.


— Eu vou ficar na cozinha então. Qualquer coisa você pode me gritar, porque sinceramente eu tenho muito medo dessa desgraçada tentar alguma coisa. — diz a loira, com sua voz carregada de mágoa e rancor, saindo logo em seguida.


Meus olhos permanecem observando o fundo da alma da mulher na minha frente. Eu agora observo sua aparência, e, diferente da Natalie, ela estava com uma feição acabada: seus olhos azuis — já marejados — carregados de olheiras bastante aparentes e escuras. Seus cabelos castanhos estão maltratados, sem vida, sem brilho e curtos. Seu semblante carrega muito ódio.


— Está observando o estrago que você causou? — inicia ela, ainda me olhando.


— Que VOCÊ causou! — corrijo-a, sem pestanejar. Meus olhos começam a lacrimejar e um choro instantâneo se inicia. — Por que é que você não foi mais me visitar? Eu… eu te esperei!


— Porque eu não tenho mais um filho. Eu o perdi quando ele decidiu virar um criminoso. — seu rancor é nítido, ela de fato parece me odiar. — Você… você tem noção do quê que a minha família passou? Do que a gente teve que suportar esse tempo todo por sua causa? Eu perdi tudo. Agora eu já não tenho mais nada além de uma casa velha, um marido com um emprego meia boca e uma filha pra sustentar. — ela chorava desesperadamente. Agora eu entendia o porquê de toda aquela aparência apática transbordando falta de cuidado.


— Vocês não perderam tudo por minha causa. E fique você sabendo que eu também sofri durante esse tempo. Eu passei anos injustamente em uma cadeia suja, morando com ratos, baratas e tendo que suportar a ideia de um dia sair de lá e encontrar tudo que já encontrei: uma cidade inteira contra mim, uma mãe que me odeia tendo motivo algum pra isso e uma vida estragada, com zero expectativas. — desabafo, sendo totalmente sincero e honesto. — Você aponta o dedo pra mim e tem coragem de abrir a boca pra me chamar de assassino, mas esquece que eu fui o seu filho. Só que pra você isso não vale, não é? Porque você nunca me conheceu e nunca fez questão de conhecer. Se me conhecesse de verdade iria acreditar na minha palavra quando digo que eu fui a vítima da história, que eu apenas me defendi de um cara que queria me matar.


— Ah, você apenas se defendeu! Me diz uma coisa. — ela se aproxima de mim lentamente. — Me fala, vai! Você… você quis matar aquele garoto, né? Você sentiu vontade de acabar com ele.


— Eu senti vontade de me defender, porque senão na melhor das hipóteses seria eu em uma cama de hospital entre a vida e a morte. Mais provável ainda em um cemitério, debaixo da terra! O que você me diz?


— Você não tinha esse direito! — ela continuava em um desabafo intenso.


— Vocês também não tinham o direito de me abandonar no momento em que eu mais precisei de vocês.


Um momento de silêncio paira sobre o ambiente. Os segundos parecem demorar horas e isso me deixa totalmente agoniado.


— Eu realmente não te conhecia. Eu não sabia desse seu lado egoísta, insensível e descarado.


— Isso, vai, pode continuar transferindo de todas as formas a culpa pra mim. Você… aliás, praticamente todo mundo só faz isso. Eu sou a pior pessoa do mundo e aparentemente tenho que aceitar isso de boa, ouvir qualquer coisa que tenham a me dizer e seguir calado, esperando mais alguns anos na cadeia caírem sobre as minhas costas.


Ela permanece calada. Eu a observo no fundo dos olhos e me parece que não sabe o que dizer.


— Se bem que seria melhor do que ouvir todas essas merdas saindo da boca da mulher que me colocou no mundo. Da mulher que dizia ser minha mãe, que algum dia já abriu a boca pra dizer que me amava. — estou oficialmente destruído! — Me amou só até o momento em que passou pela sua mente que eu nunca fui a pessoa que você queria que eu fosse. Eu era um menino com um jeitinho diferente, e que pela boca das pessoas tentou matar um homem inocente. Só que você nunca chegou a me perguntar o que realmente aconteceu. Preferiu se render aos seus caprichos do que se comprometer com a verdade do seu próprio filho.


— Chega! — diz ela, completamente fraca e chorosa.


— Sabe o que foi que aconteceu? Ou melhor, o que acontecia? Eu passei anos da minha vida sofrendo e você não ligava pra isso. Na realidade você nunca soube, né? Porque nem a decência, a sensatez de se preocupar comigo você teve. O ápice desse sofrimento foi o dia em que eu sofri uma tentativa de assassinato, me defendi e todo mundo ficou contra mim, incluindo a minha própria família. Você ainda acha que eu sou o egoísta da história?


— Você está mentindo! — mais uma vez eu ouço essas palavras e, diferente das primeiras ocasiões, não surtiram tanto efeito.


— Mas é claro que eu estou mentindo, afinal de contas é um assassino desgraçado, um psicopata sem escrúpulos que está aqui na sua frente te falando isso.


— Chega, Mark. Eu não quero mais ouvir você, não quero mais ver você e não quero mais saber de você. Chega!


— Depois de toda essa conversa quem não quer mais saber de você, sou eu.


— Você é uma decepção. Eu olho pra você e vejo praticamente uma vida toda jogada fora. Se arrependimento matasse, Mark… 


— Você não vai conseguir me atingir. Eu já lidei com coisas piores, suas palavras… sujas, são nada! — digo isso com um tom de voz diferente. Um tom seguro e confiante. É assim que eu queria seguir sempre de agora em diante.


— Não chegue perto da minha família, cê ouviu bem? Pra nós você está morto, enterrado e esquecido no passado.


— Então vê se me esquece também. Na realidade eu não sei nem pra quê você veio aqui!


Ela me fuzila com o olhar por mais alguns segundos. O clima está bastante tenso e eu sinto isso nas minhas entranhas.


Christine caminha totalmente magoada até a porta. Ao sair, bate-a com força e por um momento o susto toma conta de mim. Eu permaneço inerte ali, no meio daquela sala. Algumas lágrimas insistem em cair sobre as minhas bochechas. Sem dúvidas foi uma conversa bastante difícil!


Sinto o aconchego do abraço confortável de Natalie. Eu precisava disso, precisava me sentir compreendido e protegido. E parece que a loira entendeu perfeitamente!










Era noite. Eu estava caminhando pela rua totalmente aéreo pensando em todos esses problemas que me assolavam. Minha m… Christine vinha a todo momento em minha cabeça depois daquela dolorosa conversa. Para mim ela tinha morrido, mas infelizmente não deixa de ser muito triste tudo isso. Eu ainda queria que tudo fosse como antes, que tudo voltasse a ser como era antes, mas aí lembrei também que nunca fui feliz. Me restava só isso, apenas lembrar do que me confortava!


Eu estava passando em frente à uma sorveteria que me provocava inúmeras sensações. Entre elas aquela angústia que há tempos fazia parte de mim. Mas, por incrível que pareça, dessa vez vieram também coisas que me fizeram sorrir. Afinal de contas, essa sorveteria foi palco de várias juras de amor, as únicas que troquei em toda a minha vida.


Aos olhos dos outros, éramos apenas amigos, mas só eu sei do que acontecia pelas costas de todos. Sim, era um amor lindo. Era o meu primeiro amor!


Era tudo tão familiar, ao ponto de conseguir assistir cenas tão marcantes e tão… gostosas! Num momento eu estava ali sentado com um cardápio nas mãos, observando o ser magnífico sentado à minha frente e sorrindo pra mim. Em outro, eu dava as raras risadas que só ele me fazia soltar.


De repente, sou tirado desses pensamentos quando sinto algo bater em minha perna. Olho para o chão e vejo uma pedra, depois outra, e mais outra… até que desvio meu olhar para frente vejo alguns marmanjos rindo e debochando de mim. Engoli em seco e os vi correndo como flechas de tão rápido, dando espaço para uma outra visão mais atrás: ele, que inclusive estava do mesmo jeito que há anos atrás. Usava roupas estilosas de cores escuras, seus sapatos fazendo um contraste bonito e suas mãos sempre nos bolsos. O sorriso mais bonito que já vi na vida!


Ele estava se aproximando de mim. Meu coração acelerou, ficou a ponto de quase sair pela boca. As borboletas na barriga me fizeram relembrar cada momento especial do passado, até que um simples movimento fez eu lembrar de cada momento sombrio e pesado: ele estava sacando uma arma. A mesma que quis usar para tirar um peso das suas costas, que atendia por Mark.


Ele apontou aquele objeto amedrontador para mim, ainda sorrindo, e puxou a trava, disparando um tiro alto e seco na mesma hora. E foi aí que eu acordei; agora estava no meu quarto. A luz do sol atravessava as janelas, que com um esforço consegui lembrar que deixei-as abertas, e batiam no meu rosto. Não estava tão quente, mas um pouquinho a mais do que ontem, que estava chovendo muito. Clima maluco, não é?


Tomei um susto com a porta do quarto sendo aberta e por ela passando Natalie, que já estava soltando altas gargalhadas de mim.


— Pode rir, dona Natalie, pode rir! Qualquer dia desses eu devolvo esse susto duas vezes pior. — No mesmo momento ela segurou o riso. Desde sempre ela detestava tomar sustos. Fazer isso com ela era pedir pra levar um cascudo!


— Se você fizer isso eu vou voltar agora mesmo com essa bandeja cheia de comidas para cozinha. Você sabe o que tem nela, né? — Eu não acredito que ela teve coragem de me chantagear dessa forma.


— Ah, para, não vai me dizer que nessa bandeja aí tem aquele bolo maravilhoso de maçã com chantilly de canela? — questionei, bastante animado.


— É claro que sim, mas depois dessa ameaça eu vou ter que guardar… — disse ela, com desdém em sua feição.


— Pode voltar, você não vai passar desta porta! — Levantei da cama e fui correndo até ela, tomando a bandeja de suas mãos em poucos segundos.


Esse bolo tem o gostinho da minha infância. E não era pela minha mãe não, sempre foi pela minha tia que não me deixava ficar pior do que já era. Ela amava me mimar com esse bolo maravilhoso. E eu amava!


Voltei para a cama e sentei nela, colocando a bandeja em minha frente e rapidamente colocando um pedaço do bolo na boca, me deliciando bastante, enquanto Natalie me observava contente. Ela se aproximou de mim e sentou-se ao meu lado.


— Mark, eu preciso ter uma conversa com você. Eu sei que isso pode ser muito chato, mas eu me preocupo. Estou errada? — ela me questiona séria, e isso me assusta um pouco. Prontamente nego com a cabeça, fazendo-a respirar aliviada. — Eu sei que você passou anos em uma experiência muito traumática. Sei o quanto você se sentiu e ainda se sente injustiçado. Mark, o mundo lá fora pode ser muito perigoso para qualquer pessoa, mas especialmente pra você.


— Eu sei disso, tia. Já saí daquele lugar com essa consciência, e é exatamente por isso que vou tomar muito cuidado.


— Eu fico feliz em ouvir isso, me deixa muito aliviada! Eu quero que você cresça cada vez mais e, para isso, assim que eu conseguir um bom dinheiro, vou te tirar desse lugar. Você vai viver em outra cidade, se bobear até em outro país. No meio desse tempo, eu te peço pra não se meter em qualquer confusão porque isso pode pesar muito pra você, meu sobrinho! — Eu resolvo assentir com a cabeça, fazendo-a sorrir.


— Eu vou ficar na minha, você pode ficar tranquila! E também vou procurar um emprego pra te ajudar. Sei que sua vida não é muito fácil financeiramente e não quero te deixar com um peso enorme!


— Você não precisa trabalhar, Mark. Espera um tempinho, até você estiver em outro lugar. — Eu realmente não queria deixá-la muito apertada.


— Não, tia. Eu vou trabalhar sim, é o mínimo que eu posso fazer. Não posso simplesmente ficar aqui de braços cruzados te vendo batalhar pra mandar um marmanjo desse pra outro país! — ela soltou uma risada baixa, me dando um abraço logo em seguida. Demorou uns segundos até que o gesto se encerrasse.


— E mais uma coisa, me prometa que jamais, em hipótese alguma, você vai procurar aquele maldito filho do juíz. Eu ouvi você falando o nome dele enquanto dormia, provavelmente tendo pesadelos, então fiquei ainda mais preocupada!


— Não se preocupe com isso. Eu jamais iria procurar aquele desgraçado, afinal de contas foi ele quem tentou tirar a minha vida! — Essa frase tocou no fundo da minha alma, tanto que o arrepio foi instantâneo.


O filho do juiz, mais conhecido como Matthew, era a pessoa responsável pelas maiores felicidades da minha vida e também pelas maiores desgraças. Me sinto um idiota por relembrar com ternura os momentos bons ao lado dele, sendo que pra ele serviram de nada quando o infeliz tentou me matar. Segundo ele, eu fui o responsável pelo pai dele tê-lo expulso de casa e por ter o deserdado, isso após flagrar um de nossos beijos apaixonados.


Fiquei sabendo que o tal juiz fez de tudo para livrar a cara do filho assassino, é exatamente por isso que saí daquela cadeia só depois de cinco anos. Era pra aquele sociopata ter ido no meu lugar, mas como em praticamente todos os lugares as vítimas viram os culpados… eu fui acusado de tentativa de assassinato. Tudo isso fica ainda mais patético pra mim quando provavelmente os dois estão numa boa.


— Muito obrigado por me deixar mais tranquila. Vai dar tudo certo pra gente, estamos com um pé fora desse lugar! — ela sorriu pra mim e acariciou minha bochecha. — Agora eu vou descer, preciso ir trabalhar. Se cuida, meu sobrinho!


— Se cuida você também, tia. Te amo! — mais uma vez ela sorriu. Preciso fazer de tudo para não magoá-la, eu devo isso pra ela!


Tia Natalie saiu e fechou a porta, me deixando ali sozinho. Eu resolvi terminar de comer, estava morrendo de fome!


Depois que eu terminar, vou sair para tentar arrumar um emprego. Desde já estou me preparando para as humilhações que provavelmente vou sofrer, então também não é de certeza eu retornar para casa intacto. Tia Natalie, desde já eu te amo!










Eu descia as escadas, enquanto meu receio subia. Não era como se eu estivesse indo à escola pelo quinquagésimo dia seguido, era como se fosse apenas o primeiro dia, e eu sabia que os valentões estariam de plantão ali, apenas esperando um deslize meu. O coração estava quase saindo pela boca e eu tremia como o Jack de Titanic naquela água gelada. Mas eu precisava subir naquele bote, afinal de contas há espaço para mim!


Coloquei uma roupa bastante apresentável, afinal, se eu quero mesmo um emprego, preciso estar vestido de acordo. Eu estava usando uma calça jeans preta sem zíper, um tênis da mesma cor e uma camisa de um azul escuro, além dos óculos de sol que finalmente posso usar. Eu gostei, acho que posso destacar esse bom gosto se for em uma loja de roupas, por exemplo.


Caminhei inseguro até sair de casa. Ao fechar a porta, percebo que um pouco longe vem Mitchell. Ele parece estar fazendo corrida matinal. Não queria prestar atenção, mas ao passo que ele se aproximava foi inevitável olhar: ele tinha belas coxas. Seus braços eram fortes, parecia que frequentava academia por vários dias da semana. Ele estava suado, usando roupas para o ofício e diminuindo o ritmo ao ponto que chegava mais próximo de mim… meu deus, como é que eu vou agir agora? Não posso ser um idiota que gagueja, mas também não posso ser tão frio ao ponto de parecer um psicopata. Vamos lá, ele parou em minha frente!


— Está de saída? — perguntou ele, curioso. Eu tremi! Meu deus, estou nervoso com um desconhecido. Na verdade é o natural, não é?


— Eu… eu estou sim! Mas não é nada muito urgente, sabe? Só preciso procurar um emprego o quanto antes! — disse, quase deixando ele ver meu coração pela boca.


— Então… se me permite uma indicação, eu ouvi dizer que lá no shopping estão precisando de vendedor. O salário não é muita coisa, mas é um bom começo! — que gentil…


— Imagina, não precisa ser um salário de milhões, apesar de que também não seria ruim. — sorri, tentando ser simpático. Parece que funcionou, porque ele sorriu junto.


— Realmente não seria ruim. Eu vou deixar você em paz agora, já tomei muito do seu tempo. E eu preciso resolver umas coisas, então vou nessa!


— Nossa, não tomou meu tempo, não! Aliás, já me ajudou bastante, estou menos nervoso agora. — ele sorriu junto comigo. — Então é isso, na próxima a gente conversa por mais tempo!


— Vou esperar essa próxima ansiosamente. Gostei de você! Te desejo muita boa sorte nessa nova trajetória. — meu deus!!!!


Eu só pude assentir com a cabeça em forma de agradecimento e logo em seguida vê-lo partir sem olhar para trás. Agora eu tinha que seguir meu caminho e encarar de frente situações nada agradáveis. Mas vou seguir, não é? Quem sabe o dia de hoje não seja produtivo de forma positiva… que deus me ajude!











"Esse shopping não é muito longe", tratei logo de mentalizar. Estava eu dentro de um táxi indo com a cara e a coragem. Gentil, muito pelo fato dele nem pensar em quem eu sou, o motorista tratou logo de colocar uma das músicas pop do momento. Eu gostei, ainda não tinha ouvido. Talvez porque na cadeia só tenha os barulhos dos prisioneiros se contorcendo de febre ou algum tipo de dor, como as das facadas que recebem em brigas… um paraíso, não é?


Demorou um pouquinho para terminar a rota. Paguei o preço da corrida e sorri de forma simpática para o senhor no banco do motorista. Ele acenou com a cabeça e eu saí do carro. Agora eu estava na frente do shopping, que não era muito grande, e meu coração estava mais que bombeando sangue, estava já bombeando minha alma. Respirei fundo e entrei.


Para algumas pessoas, entrar no shopping era como entrar no céu, mas para mim era como entrar no inferno. Tímido, observei o movimento e estava um pouco cheio. Haviam pessoas de todos os jeitos lá, sendo eu o único conhecido, porque a maioria me lançou olhares bem estranhos. Bastante esperado, por exemplo, que uma mulher que eu nunca tinha visto na vida me olhasse com nojo estampado em sua face. Era esperado também que uma criança, após sua mãe lhe contar algo que não deu pra ouvir, me olhasse com medo.


Eu só precisava andar de cabeça baixa, porque de cabeça erguida era um alvo fácil. E lá estava um garoto andando em direção a um buraco cheio de leões famintos prontos para desmembrá-lo sem peso na consciência.


— O quê que eu vim fazer aqui? — Tive que me questionar por alguns segundos. Eu sabia a resposta, mas arrancaram ela de mim em questão de minutos.


Tive a impressão de estar sendo seguido. Talvez sejam os seguranças daqui, eles jamais permitiriam que um ex-presidiário andasse livremente pelo estabelecimento, não sem terem a certeza de que ele não está armado ou algo do tipo. Foi exatamente por isso que seguraram meu braço e me jogaram contra a parede assim que parei de pensar.


No mesmo instante estávamos rodeados de pessoas. Alguns gravando, outros batendo palmas para os seguranças e eu, sozinho por mim mesmo, acabando de fechar os olhos para segurar as centenas de lágrimas que queriam cair. Era um cenário desolador, mas apenas para mim. Para os outros, pura diversão e alegria. Eles sabiam quem eu era e gostavam da ideia de me machucar.


A agonia estava passando, mas a vergonha não. Os seguranças me soltaram e eu fiquei parado sem reação no meio de toda aquela gente, apenas chorando. Os dois caras que me revistaram saíram, dando olhadas para trás. Abri os olhos na esperança de todos já estarem em seus lugares, mas eles ainda estavam me olhando e me filmando. Rodei minha visão por todo o local e uma figura me chamou atenção: cabelos grisalhos, olhos azuis, forte e alto. Era o meu pai me olhando em toda aquela situação.


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