A OUTRA

CAPÍTULO 14

UMA NOVELA DE TAÍS GRIMALDI


CENA 1. APARTAMENTO DE CELESTE. SALA DE ESTAR. INT. NOITE

O silêncio entre Stella e Márcia permanece por um instante longo demais — quase insuportável. Evelyn tenta se mover, mas está paralisada pela tensão que preenche a sala como um gás invisível.

Stella sorri de canto, com uma ironia cruel. Ela recua dois passos, segura sua bolsa com elegância estudada, e se encaminha para o corredor. Mas, antes de sair, vira-se uma última vez.

STELLA – (com desdém suave, ferino) Você pode até ficar, Márcia. Mas isso aqui nunca vai ser lar pra você. Nunca foi. Boa sorte tentando dormir com todos os fantasmas soltos.

Ela vira as costas sem pressa e desaparece no corredor, seus saltos ecoando como marteladas secas contra o piso de madeira.

A porta do apartamento se fecha com um clique. Nada estrondoso. Só um clique – cirúrgico, cruel, definitivo.

Márcia permanece imóvel, o rosto tenso, como se tivesse levado um tapa invisível. Evelyn, ao seu lado, segura o braço da irmã, mas não diz nada. Ambas estão mergulhadas num silêncio denso, onde tudo foi dito — e ainda assim, nada foi resolvido.

A câmera se aproxima lentamente do rosto de Márcia. Seus olhos estão marejados, mas ela se recusa a chorar. Sua respiração está pesada. A imagem congela por um breve segundo.

MÁRCIA -  (em off, sussurrada, pensando) Ela pensa que venceu. Mas eu tô aqui. E dessa vez eu fico.

CORTE PARA:

 

CENA 2. TENNIS ROUTE – CENTRO DE TREINAMENTO DE TÊNIS. QUADRA PRINCIPAL. EXT. NOITE

 

SONOPLASTIA  “RIO 40 GRAUS” – FERNANDA ABREU.

 

IMAGEM AÉREA – O Centro de Treinamento brilha sob os refletores. Um oásis high-tech no coração da cidade. Painéis de LED, vestiários envidraçados, quadras impecáveis. O Rio continua quente mesmo à noite.

CORTE para a quadra principal.

Stu da Quebrada, corpo atlético, postura firme, ensopado de suor, saca com precisão e força. O garoto tem talento — e raiva. Seu tênis é físico, emocional.
Do outro lado da quadra,
 Arthur, ex-tenista, técnico respeitado, observa. Ele corrige gestos, orienta, mas há algo mais em sua atenção. Um olhar atento demais. Quase paternal. Quase cético.

ARTHUR - Melhora esse backhand cruzado, Stu. Tu tem potência, mas precisa de estratégia. Quer ganhar no braço ou no cérebro?

STU - (no pique) Prefiro no braço. Mas aprendo se precisar.

Arthur sorri com uma sobrancelha arqueada. Está acostumado com arrogância juvenil. Mas reconhece quando ela esconde outra coisa.

CORTE – LADO DA QUADRA.

Sibele, tenista da casa, elegante, foco absoluto nos treinos, entra silenciosa pela lateral da quadra. Ela veste a camisa do centro, mas anda como quem já não se sente parte do lugar. Seus olhos se fixam em Stu. O clima muda.

Stu vê Sibele. Finge que não. Mas sua mão erra o próximo saque. A bola atinge a rede com força, frustrado.

ARTHUR - (reage) Concentração, Stu. Isso aqui é treino, não novela.

Stu recolhe a bola em silêncio. Seus olhos evitam os de Sibele. Mas os dela não se desviam.

Sibele caminha até o banco ao lado da quadra, de onde assiste. Braços cruzados. Expressão dura.

Arthur a observa de soslaio.

ARTHUR - (sem olhar) Resolveu treinar fora de horário, Sibele?

SIBELE - (fria) Gosto de ver os novatos. Às vezes eles surpreendem.

Arthur capta o veneno sutil. Ele se aproxima de Sibele, sem tirar os olhos de Stu.

ARTHUR - Vocês se conhecem?

SIBELE - (cínica) O mundo é pequeno.

Stu tenta disfarçar, mas seus gestos ficam mais rudes, menos técnicos. Há uma mágoa não digerida que pulsa nos dois.

Arthur percebe. Ele estuda os dois, como se montasse um quebra-cabeça invisível. Mas não pergunta. Ainda.

STU - (tenso, para Arthur) Continua o treino ou tá virando interrogatório?

ARTHUR -(sério, seco) Só tô tentando entender o clima. Mas segue. Quero ver você sob pressão.

Stu recomeça o treino, mas o ritmo caiu. Sibele assiste sem piscar. Ela e Stu se encaram por um instante longo — sem palavras. Uma troca de olhares que só quem viveu algo muito forte (e muito mal resolvido) entende.

Sonoplastia – A música volta discretamente, agora só batida e calor.

Arthur se afasta, mas lança um último olhar inquisidor.

ARTHUR -(em off, pensando) Tem coisa aí. E eu vou descobrir.

CORTE para a quadra ao longe. Stu golpeia a bola com fúria. Sibele sai andando, sem olhar pra trás.

CORTA PARA:

CENA 3 – COBERTURA DE LAURINHA. SALA DE ESTAR. INT. NOITE


SONOPLASTIA – “SUCESSO SEXUAL” – ANGELA RO RO

Cobertura luxuosa, com vista para o mar. Um piano de cauda fechado, taças de cristal e uma garrafa de vinho cara aberta sobre o bar. Cortinas translúcidas dançam com a brisa. Laurinha está sozinha quando a campainha toca.

LAURINHA (vestida com uma camisola de seda preta, maquiagem sutil e joias discretas) Entra, Eriberto. A casa é sua, como sempre foi.

ERIBERTO - (tenso, de terno escuro, sem gravata) Não devia ter vindo.

LAURINHA - Mas veio. Isso já diz muita coisa.

Ela serve duas taças de vinho, mas ele recusa com um gesto. Senta-se em silêncio, observando os quadros, os livros, as fotos antigas.

ERIBERTO - (cortante) A Stella quase morreu naquela noite. E você simplesmente desapareceu.

LAURINHA - (ferida, mas tentando manter a pose) Você ainda me culpa, mesmo depois de tantos anos?

ERIBERTO - Ela perdeu o útero. E você sabia o quanto ela queria um filho a mais, por sorte tivemos a Marisa. Sabia, Laurinha. E mesmo assim...

LAURINHA - (interrompendo, com raiva contida) Eu não empurrei Stella naquele carro. Eu não gritei. Não briguei com ela. Mas fui embora, sim. Covarde, talvez. Mas criminosa?

Ele se cala. O silêncio é tenso. Ela se aproxima, encostando-se a ele.

LAURINHA - (baixinho, perto do ouvido dele) A gente era bonito. Era forte. Você me amava, Eriberto. E eu ainda te amo. Isso não mudou.

ERIBERTO -(duro, recuando) Você ama o poder. Sempre amou. Nunca conseguiu suportar que eu escolhesse alguém como a Stella – mais simples, mais pura, menos perigosa.

LAURINHA - (ironizando) Pura? Ah, meu amor, ninguém é puro nesse mundo. Nem mesmo você. E essa tua obsessão por Sibeli? Ela é tua herdeira política ou sua penitência?

ERIBERTO - (irritado, levantando-se) Sibeli é instável. E você, mais ainda. Isso aqui foi um erro.

LAURINHA - (fria, com uma taça na mão) Eriberto, cuidado com a Sibeli. Ela não é boba. E está cada vez mais próxima da verdade.

ERIBERTO - (antes de sair, olhando nos olhos dela) Se ela descobrir, não vai sobrar pedra sobre pedra. Nem pra você. Nem pra mim.

Ele vai embora. Laurinha permanece sozinha, tomando o vinho, observando a cidade pela janela.

LAURINHA - (para si, num sussurro) No fim, todos voltam pra mim. Até você.

“Sucesso Sexual” ganha corpo novamente, em fade out.

CORTA PARA:

 

CENA 4 – RIO DE JANEIRO. EXT. AMANHECER

SONOPLASTIA – “RIO 40 GRAUS” – FERNANDA ABREU

 

O dia nasce sobre o Rio de Janeiro com uma beleza agressiva e contraditória. O sol atravessa as nuvens rosadas atrás do Cristo Redentor, enquanto a cidade acorda num compasso inquieto. Na Zona Norte, uma faxineira exausta desce do ônibus, tira o jaleco e veste um top, atravessando a passarela que leva à estação da SuperVia. No Centro, uma mulher de terno fuma um cigarro encostada no parapeito de um prédio, observando o céu que se tinge de laranja. Em Ipanema, três influenciadoras gravam uma dancinha, sorrindo para celulares de última geração, enquanto, a poucos metros dali, um pescador recolhe a rede vazia. Um jovem atravessa o túnel Rebouças em alta velocidade, pedalando uma bicicleta de entrega com fones de ouvido e uma mochila enorme nas costas. Em frente a uma comunidade, uma viatura da PM passa devagar — crianças que brincavam com celulares correm para dentro de casa. No alto do Vidigal, um idoso elegante contempla a cidade de um deque, tomando espumante sozinho num iate ancorado. A música segue pulsante, quase debochada, enquanto a cidade se impõe, deslumbrante e desigual, como uma mulher bonita que sabe que vai ser maltratada — mas mesmo assim volta para casa.

CORTA PARA:

CENA 5 – APARTAMENTO DOS FERRAZ DINIZ. SALA DE ESTAR. INT. DIA

A luz da manhã entra pelas janelas de vidro fumê do amplo e sofisticado apartamento dos Ferraz Diniz, no alto do Jardim Pernambuco. Na sala de estar — moderna, decorada com obras de arte assinadas e um silêncio estudado — Giuseppe ajusta os punhos da camisa enquanto observa o reflexo no espelho veneziano. Carolina surge do corredor em um vestido branco e óculos escuros, carregando uma bolsa de grife com o logotipo discretamente exibido. Ana Maria está sentada no sofá, folheando uma revista de lifestyle com expressão entediada. Marcelo entra com o celular na mão, rindo de algo que leu, mas se cala ao perceber o clima.

CAROLINA - (cortante, sem tirar os óculos) Vocês viram quem o comitê convidou pro camarote da final? Aquela tenista que vive levantando bandeira...

ANA MARIA - (arqueando uma sobrancelha, venenosa)Ah, a que se diz “pansexual”? Agora até isso é modinha. Ser normal virou ofensivo, pelo visto.

GIUSEPPE - (suspira, indiferente) É política de inclusão. As marcas querem parecer progressistas pra vender shampoo. Só isso.

CAROLINA - (com desdém) Progresso é ter segurança, educação, um país com hierarquia. Não esse desfile de gente que acha que pode tudo porque sofreu.

ANA MARIA - (fecha a revista, firme): Claro. Agora, se você é branca, rica e heterossexual, precisa pedir desculpa por existir.

MARCELO - (tentando amenizar, irônico) Gente, vamos lembrar que é só um jogo de tênis. Não é sessão do Senado.

CAROLINA - (corta, ríspida) É um jogo onde a elite sempre teve seu lugar. Não vou fingir que é normal dividir tribuna com influencer de favela.

GIUSEPPE - (pega as chaves do carro, com voz grave e final) Vamos. Já estou de saco cheio de sermão social por hoje. Se quiserem fazer caridade, doem online. Mas não esperem que eu aplauda desordem.

Eles saem em silêncio, um após o outro, como um clã unido pela aparência e pelo desprezo ao mundo que não controlam mais. A porta se fecha. A câmera permanece na sala por um segundo a mais, revelando o contraste: luxo, ordem, cinismo. Ao fundo, a música da cena anterior ainda ecoa em fade, como se zombasse deles.

CORTA PARA:

CENA 6 – COBERTURA DE LAURINHA. SALA DE ESTAR. INT. DIA

O sol penetra pelas cortinas de linho claro, desenhando sombras elegantes sobre os móveis minimalistas e caros. Laurinha está de pé, diante da janela, vestida com um conjunto esportivo de grife, mas alheia ao reflexo vaidoso que o espelho lateral insiste em devolver. Seus olhos estão fixos no horizonte, onde o céu carioca oscila entre o dourado do verão e uma tensão inexplicável.

A campainha toca suavemente. Laurinha não se move. Zilda Maria entra com familiaridade, segurando duas garrafas de água alcalina e uma revista de moda. Está animada, já com o visor do boné abaixado e os óculos de sol Chanel no rosto.

ZILDA MARIA - (alegre) Laurinha, minha querida, vamos? Vai começar o aquecimento das duplas! Não quero perder o argentino, aquele que tem coxa de gladiador!

Laurinha sorri de canto, mas sem humor. Vira-se lentamente.

LAURINHA - (séria) Você já sentiu que algo ruim estava pra acontecer? Uma sensação gelada nas costas, mesmo com o sol lá fora?

Zilda Maria franze o cenho, retira os óculos.

ZILDA MARIA - Você ainda está com aquilo da Sibeli na cabeça?

LAURINHA - (baixando o olhar) Não saiu da minha cabeça. Desde ontem. O jeito que ela me olhou no coquetel. Aquele olhar (pausa) vazio, mas carregado. E hoje de manhã, sonhei com sangue. Muito sangue.

ZILDA MARIA - (cética) Laurinha, por favor. Sibeli sempre foi intensa. Mas ela é uma menina frágil. Dramatiza tudo. Isso não é premonição, é culpa.

LAURINHA - (dura) Não é culpa. É instinto. E se eu estiver certa, Zilda? E se a gente estiver assistindo um incêndio prestes a começar e achando que é só o pôr do sol?

Zilda Maria suspira, visivelmente desconfortável.

ZILDA MARIA - Olha, a gente pode ficar aqui filosofando, ou pode chegar cedo no Jockey e garantir lugar na sombra. Vamos? Ou você vai esperar o destino bater na porta?

Laurinha hesita. Respira fundo. Pega sua bolsa, mas lança um último olhar pela janela, como se esperasse um sinal. Seu rosto é uma máscara de apreensão.

LAURINHA - (seco, quase profético) Hoje, alguma coisa vai acontecer.

Zilda Maria dá de ombros, mas por dentro está inquieta. Elas saem, e a câmera permanece na sala vazia. Um silêncio estranho se instala, como um presságio mudo. Ao fundo, o som distante de sirenes, abafadas pela distância, mas presentes.

CORTE PARA:

 

CENA 7. PALÁCIO DAS LARANJEIRAS. SALA DE ESTAR. INT. DIA.

 

A sala é suntuosa, mas austera. Cortinas de linho filtram a luz do sol, refletida no chão encerado. No canto, uma escultura moderna contrasta com o retrato oficial de um governador aposentado.

Marisa, vestida num conjunto esportivo caríssimo, posta um story no celular:

MARISA   - (para a câmera, em tom de dondoca rebelde) Tocando um set entre um ace e outro no Aberto de Tênis. Vamos ver se o Rio ainda sabe aplaudir.

Mario entra na sala. Sem anunciar-se, observa com desdém.

MARIO - Você perdeu o juízo. Acha que a Consuelo vai aplaudir isso? A Stella já deve estar mandando apagar o vídeo.

MARISA - (sem olhar para ele)Ela que venha apagar com as próprias mãos. E você, por que não vai tocar seu piano, maestro da moral?

MARIO -  (se aproximando, seco) Porque preferi te ver antes de você se enterrar de vez. Você está cavando seu túmulo social com uma colher de prata.

MARISA - (sorri, debochada): E você cavando o seu com poesia. Prefere me salvar ou me enterrar?

Um silêncio estranho se impõe. Mario a encara. Ela finalmente o encara de volta. Há tensão. E desejo.

MARIO - (baixando o tom): Você não é burra. Só é inconsequente.

MARISA - (com ironia suave): E você não é chato. Só é idiota.

O celular vibra. Mensagem de Consuelo: "Retire imediatamente o vídeo." Marisa sorri.

MARISA - (mostrando o celular a Mario) Acho que acabei de vencer a primeira rodada.

Ela sai, triunfante. Mario observa, inquieto.

CORTE RÁPIDO PARA:
O story de Marisa viralizando no celular de um jornalista.

CORTA PARA:

 

CENA 8. APARTAMENTO DE EVELYN. SALA DE ESTAR. INT. DIA

Ambiente clean, moderno, minimalista e caro. A câmera passeia por objetos frios: esculturas vazadas, livros de arte que nunca foram abertos, uma taça esquecida com champanhe velho. Márcia está sentada no sofá, os olhos fixos no celular. Evelyn, de roupão de seda, sai do quarto, já maquiada para o dia.

MÁRCIA - (olhando para o celular) Ela postou. Tá no Tênis Rio Open. Sozinha. Você viu isso?

EVELYN - (pega o celular da mão de Márcia sem pedir) Claro que vi. A Marisa é a rainha dos stories. Não pode ver um sol que já aparece com frase motivacional. (ri com desdém) Essa obsessão com “autenticidade” me dá enjoo.

MÁRCIA -Quero ver ela. De perto. Olhar nos olhos. Ver se tem algo da minha mãe.

EVELYN - E você acha que ela vai te reconhecer? (ri com sarcasmo leve) Você virou persona non grata, amor. Seu rosto tá mais queimado que o do Tomé depois da delação.

MÁRCIA - (séria) Você vai comigo.

EVELYN - Vou. Mas antes preciso passar na Tomorrow. Reunião com o pessoal da nova campanha da Solar. (pausa, analisa a amiga) Mas você vai ter que se disfarçar. Uma jaqueta larga, um boné, talvez até máscara. (sorri maliciosa) Tem muita madame entediada nesse torneio. Qualquer uma adoraria te reconhecer e postar um "Olha quem eu vi". A manchete vem pronta.

MÁRCIA - Já me humilharam o suficiente. Não vou me esconder.

EVELYN - Não é esconder. É sobreviver. (olha Márcia de cima a baixo) Você ainda quer uma chance de voltar, não quer?

Márcia abaixa o olhar. A resposta não vem. Evelyn sai da sala com seu celular na mão. Corta para o close de Márcia, sentada sozinha, segurando o boné que Evelyn jogou sobre a mesa. Ela hesita.

CORTA PARA:

 

CENA 9 – JOCKEY CLUB BRASILEIRO. ABERTO DE TÊNIS. EXT. DIA.

Plano aberto. O sol do Rio doura o cenário do Jockey lotado. O público é composto pela elite carioca, bronzeada, perfumada, impaciente e fotogênica. Murmúrios elegantes se misturam ao som ritmado das raquetadas. Garçons em trajes brancos servem champanhe em taças finas. Jazz sofisticado preenche o ar, ao fundo.

CAMAROTE DE PAULA LEE – DECORADO COM ORQUÍDEAS BRANCAS, MÁRMORE E UMA BANDEJA DE MACARONS IMPORTADOS.

Paula Lee, impecável em óculos escuros Chanel, observa tudo com aquele ar blasé de quem nunca foi surpreendida na vida. Ao seu redor, Narcisa Tamborindeguy fala alto e ri com seus exageros típicos, Gustavo Kuerten sorri com elegância e leveza, enquanto João Fonseca, jovem promessa do tênis brasileiro, ouve e comenta com discrição e educação. Um brinde com espumante rosé une os quatro em clima de falsa leveza.

NARCISA - (voz alta, divertidíssima) Eu juro que quase joguei uma partida com o Guga uma vez, mas desisti! Ia derreter de suar em público, meu amor! Hahaha!

GUSTAVO KUERTEN - (sorrindo, delicado) Foi uma decisão sábia, Narcisa. Salvou a minha reputação de um vexame irreversível.

JOÃO FONSECA -(educado, discreto) Eu teria apostado em você, Narcisa. Pelo menos no estilo.

Risadas. Um clima entre o fútil e o brilhante. Paula sorri com parcimônia, mas seu olhar está no portão de entrada.

CORTE – DO OUTRO LADO DAS ARQUIBANCADAS.

Stella surge. Tailleur branco impecável, chapéu discreto, um broche antigo e raro no colarinho. Ela caminha como quem domina o mundo — e sabe disso. Os olhares se voltam. O burburinho congela.

Ela entra no camarote. Um silêncio pesado se instala.

PAULA - (gelada, sem sorrir) Que ousadia aparecer aqui.

STELLA - (sorri de lado, afiada) A ousadia é toda sua, querida. Ainda frequenta os mesmos lugares onde um dia foi bem-vinda?

NARCISA - (sem graça, rindo nervosa) Ai, meninas, por favor, o que importa é o amor ao esporte!

PAULA - (cortante, sem olhar para Narcisa) O que importa é saber onde termina o passado.

STELLA - (baixa o tom, agora mais íntima, letal) E onde ele começa a sangrar.

O olhar entre as duas é um duelo. Nenhuma recua. O clima é de guerra fria sob sol carioca.

A CÂMERA SOBE lentamente para o céu azul. Ao fundo, o som seco de uma bola de tênis rebatida com força. O som ecoa — como um disparo. Fim da cena.

CORTA PARA:

CENA 10 – JOCKEY CLUB BRASILEIRO. QUADRA PRINCIPAL. EXT. DIA.

O calor pulsa sobre a quadra de saibro. Os refletores ligados para a transmissão televisiva aumentam a sensação de espetáculo. A arquibancada vibra com expectativa. O sol estoura em reflexos nas lentes escuras da elite presente. O jogo vai começar.

Stu, tenista estrangeiro e sensação do circuito, aquece com movimentos precisos. O público murmura, impressionado. O silêncio é quebrado apenas pelas raquetadas e pelas palmas discretas — tudo filmado, transmitido, vendido.

Na beira da quadra, Arthur, técnico de Stu, observa atento. Terno claro, impecável, óculos escuros e o celular vibrando discretamente no bolso. Ele tira o aparelho e, ao ver o nome que pisca na tela, seu semblante muda. Uma fissura no verniz.

MENSAGEM DE SIBELI - (na tela do celular)Precisamos conversar. Não posso mais fugir. Eu sei o motivo do meu afastamento. E você precisa saber também.

Arthur engole seco. Fica parado, como se o mundo ao redor tivesse sido colocado em pausa. O som da bola batendo no saibro se torna abafado. Um zumbido discreto.

CORTE PARA O CAMAROTE DE PAULA LEE.

Ela está sentada, majestosa, mas seus olhos estão cravados em Arthur. Atrás dos óculos Chanel, há um gesto mínimo — quase invisível — de cumplicidade. Um leve erguer de sobrancelha. Um sutil mover de taça.

Arthur ergue os olhos. Encontra o olhar de Paula. Silêncio entre eles. Um pacto não declarado, feito de coisas que ninguém diz em voz alta. Ele abaixa o celular, sem responder a mensagem.

CORTE PARA SIBELI, sentada discretamente em um dos setores laterais, longe dos holofotes. Ela está de vestido leve e o rosto fechado. O cabelo preso sem esforço. Olhos fixos no jogo, mas não assiste nada. Está tensa. A mão aperta o celular como se fosse uma arma.

Stu solta um ace. O público aplaude. Sibeli nem pisca.

Arthur, de volta à borda da quadra, coloca o celular no bolso. Mas seu rosto já não está mais no jogo. Está em Sibeli. E em Paula. Ele respira fundo. Ele sabe que aquela mensagem muda tudo — mas ainda não decide o que fazer com ela.

A câmera sobe sobre o Jockey Club, e o som abafado do jogo cresce, até explodir no barulho seco de uma bola rebatida.
A imagem congela por um segundo em
 Paula Lee sorrindo levemente no camarote.

CENA 11 – JOCKEY CLUB BRASILEIRO. EXT. DIA.

Fim de tarde. A luz dourada do sol carioca começa a declinar, lançando sombras longas sobre o glamouroso e inquieto cenário do Jockey. O jogo na quadra principal continua, mas é como se tivesse ficado em segundo plano. Há um zumbido no ar, um prenúncio.

Entre os convidados e frequentadores bronzeados, surge Márcia, disfarçada em trajes discretos: casaco de moletom, boné e óculos escuros. Move-se com cuidado, sem pressa, mas cada passo é carregado de intenção. Ela não fala com ninguém. Não olha para trás. Mas sabe que está sendo seguida.

Poucos metros atrás, Marisa caminha com altivez forçada. Vestido colorido, pulseiras de DJ, e aquele ar insolente de quem nasceu poderosa e não sabe fingir o contrário. Está irritada. Impaciente.

Ao lado dela, Mário, o segurança — terno escuro, fone no ouvido, a gravata discretamente desalinhada pelo calor e pelo cansaço de lidar com Marisa há anos.

MARISA - (irônica, sem encará-lo) Você não precisa andar tão colado. Eu sei muito bem onde tá meu próprio pé.

MÁRIO - (sério, sem rodeios) E eu sei onde pode tropeçar, mesmo fingindo que não.

MARISA - (ri curto, venenosa) Você devia escrever frases de efeito pra Twitter de coach. Ia ganhar mais do que cuidando da filhinha mimada do governador.

MÁRIO - (sem se abalar) E você devia aprender a reconhecer quando tá em risco. Isso aqui não é pista de dança.

MARISA - (para abruptamente e se vira) E você não é meu dono.

Eles se encaram por um segundo. Um embate mudo. A raiva entre os dois carrega algo a mais — algo mal resolvido, algo que arde sob a pele. Mas não há tempo para mais.

CORTE – NO MEIO DA MULTIDÃO.

Sibeli caminha sozinha. Um vestido simples, cabelo preso às pressas. Ela está pálida, mas decidida. O celular na mão. Os passos hesitam. Seu olhar varre o ambiente. Parece procurar alguém — ou coragem.

A câmera se aproxima de seu rosto. Ela começa a digitar algo no celular, mas para. Respira fundo. Apaga. Digita de novo.

(MENSAGEM NÃO ENVIADA NA TELA PARA ARTHUR) - A verdade vai doer em todos. Mas eu não vou morrer com ela.

Ela levanta os olhos. Vê Márcia à distância, mas não a chama. Dá mais dois passos.

UM ESTOURO.

Seco. Cru. E então outro. Gritos. Correria. Confusão. Vidros se espatifam. Um balão estoura? Alguém grita "É tiro!" e isso basta para que o caos comece.

Mário imediatamente protege marisa, que tenta ver o que está acontecendo.

MARISA - (assustada, tentando escapar) Me solta! Me solta, Mário!

MÁRIO - (segurando firme) Fica atrás de mim!

MARISA - (irônica mesmo em pânico) Você adora mandar, né? Sempre quis.

MÁRIO - (gritando) Agora não é hora pra isso!

A câmera treme, corre, mistura rostos e sons.

Entre as pernas que correm, o caos e a confusão, vem o silêncio.

Sibeli está no chão. Um tiro certeiro. O celular ao lado da mão. Sangue. Muito. A vida já foi. Os olhos estão abertos, fixos em nada. O corpo abandonado, agora só um corpo.

Márcia, a metros dali, para. O rosto endurecido. Não chora. Não corre. Não reage. Mas algo no seu olhar confirma: ela sabia que isso podia acontecer.

Marisa assiste a cena de longe, ainda sendo contida por Mário, que agora já parece mais assustado que protetor.

A CÂMERA SOBE, devagar. O burburinho vira pânico. Os sussurros viram gritos. E o que era um dia de glamour vira um escândalo nacional.

CORTA PARA: 

 

FIM

Post a Comment

Tradutor