A OUTRA

CAPÍTULO 19

UMA NOVELA DE TAÍS GRIMALDI


CENA 1 – HOTEL. QUARTO. INT. NOITE. BARCELONA.

Luz tênue. Um abajur de cristal sobre a mesinha de canto projeta sombras suaves nas paredes decoradas com arte moderna. A suíte tem um ar cosmopolita, elegante, minimalista, como se refletisse as mulheres que ali conversam. MARCIA caminha pelo quarto com passos tensos, vestida com um robe de seda preta. PAULA, sentada no sofá com um notebook no colo, observa a amiga com preocupação contida.

PAULA - (pausada, firme) Você tem certeza de que quer voltar agora?

MARCIA - (para, encara a amiga) Eu nunca estive tão certa de nada. O mandato caiu, não tenho mais o que temer. E se eu não fizer isso agora, vão enterrar a verdade com a mesma frieza com que mataram Bruno e Celeste.

PAULA - (suspira, fecha o notebook) Você sabe que a Stella não agiu sozinha. Há gente poderosa por trás disso. Gente que quer te ver morta.

MARCIA - (aproxima-se da janela, observa Barcelona lá fora) E por isso mesmo eu preciso ir. A Evelyn está sozinha naquela cidade cercada por ratazanas melicianas. Se eu não voltar, ninguém vai fazer justiça por eles. Ninguém vai provar que fui usada como bode expiatório.

PAULA - (levanta-se, caminha até ela) Então a gente divide o tabuleiro. Você volta pro Brasil e ajuda a Evelyn. Eu vou à Suíça, encontrar o Rodrigo Maldonado. Ele sabe de muita coisa. Talvez mais do que deixou escapar.

MARCIA vira-se para PAULA. Há uma cumplicidade entre elas, uma aliança que nasceu do abismo e floresceu na perda.

MARCIA - Se ele estiver vivo, ele vai falar. E se estiver morto, a gente vai descobrir quem o silenciou.

PAULA - (encara com firmeza) E se Stella tiver mesmo um braço no Planalto?

MARCIA - (numa calma perturbadora) Então a gente arranca esse braço. Dedo por dedo.

As duas se olham com intensidade. A dor as uniu. A fúria agora move cada passo. O futuro, elas sabem, será uma guerra sem máscaras.

CORTE PARA

CENA 2 – PALÁCIO DAS LARANJEIRAS. SUÍTE DE MARISA. INT. DIA

Luz suave entra pelas frestas das cortinas de linho. A suíte de MARISA é um misto de luxo moderno e desordem juvenil: frascos de perfume espalhados, discos de vinil fora das capas, um livro de poesia francesa caído no chão. MARISA (23) dorme de bruços na cama desfeita, de short de seda e camiseta branca larga, descabelada, rosto maquiado da noite anterior.

A porta se abre com estrondo. CONSUELO (75), matriarca autoritária, entra como um vendaval com sua cabeleira branca perfeitamente armada, colar de pérolas e vestido tubinho Chanel. Ela não bate, não chama, não hesita. Já chega abrindo gavetas, puxando malas, revirando a nécessaire prateada de MARISA.

CONSUELO - (ácida, cortante) Drogadinha. Pervertida. Você acha que isso aqui é uma pensão de artistas falidos em Ipanema?

MARISA desperta lentamente. Observa a cena com um olho só, sem se mover.

CONSUELO - Você quer arruinar as chances do seu pai de ser presidente da República? É isso que você quer, Marisa?

MARISA - (sarcástica, voz rouca)Quero mesmo. Imagina que pesadelo: ser filha do presidente, com uma avó caquética de brinde.

CONSUELO vai até a cama num rompante e dá um tapa seco em MARISA, que não reage de imediato. Depois, senta-se na beirada, encarando a neta como quem encara uma ameaça política.

CONSUELO - Se eu ainda mandasse nesse país, você já estaria num porão, apanhando de cassetete. (com veneno) E agradecendo.

MARISA - (olhos fixos na avó, fria) Não me assusta, avó. Eu fui criada por cobras. Você só seria mais uma no aquário.

CONSUELO levanta-se, furiosa. MARISA faz menção de se levantar, mas antes grita para a porta:

MARISA - Mário!

A porta se abre. MÁRIO (30), segurança corpulento, discreto, entra com uma expressão de alerta. Seus olhos vão de MARISA para CONSUELO e de volta para MARISA. Há um silêncio espesso.

MARISA - A partir de agora, Mário, você não me deixa mais sozinha. Nunca. Principalmente com ela.

MÁRIO apenas acena com a cabeça, mas seus olhos cravam em CONSUELO, que o encara com fúria contida. MARISA e ele trocam um olhar rápido. Há tensão. Ódio. Mas também desejo reprimido, subterrâneo. CONSUELO percebe.

CONSUELO - (por entre os dentes) Você sempre soube se proteger, Marisa. (sai devagar) Mas até as cobras têm fim.

A porta se fecha atrás de CONSUELO. MARISA e MÁRIO continuam em silêncio. Ela levanta-se lentamente, passa por ele, quase encostando o ombro no peito do segurança. Para ao lado da cama, pega um cigarro da penteadeira, acende.

MARISA -Você acredita em monstros, Mário?

MÁRIO não responde. Apenas a observa. Ela traga fundo e assopra a fumaça em direção ao teto.

MARISA -Pois então fica por perto. A temporada começou.

CORTA PARA 

 

 

CENA 3 – COBERTURA DE LAURINHA. SALA DE ESTAR. INT. DIA

A luz entra pelas grandes janelas, filtrada por cortinas de linho branco. A decoração é sofisticada, moderna, com obras de arte assinadas e móveis de design italiano. Laurinha está sentada no sofá, descalça, vestindo um robe de seda preto. Um copo de gim na mão, o cinzeiro cheio. O olhar perdido, devastado.

A campainha toca. Laurinha hesita. O interfone toca em seguida. Ela atende com frieza.

LAURINHA -(seca) Pode subir.

CORTE RÁPIDO.

A porta se abre. SELENA entra com um blazer de alfaiataria impecável, sem maquiagem, o rosto carregado de tensão. Ela traz a elegância e o cansaço de quem já viu o mundo ruir várias vezes.

SELENA - (sem rodeios)Eu vim porque (pausa) acho que as coisas vão ficar ainda piores.

LAURINHA - (amarga) Piores do que enterrar a própria irmã? Me conta. Eu sou toda ouvidos.

Selena caminha até o bar, serve uma dose de uísque, e se senta sem pedir licença.

SELENA - Alice está grávida.

Silêncio absoluto. A frase ecoa. Laurinha pisca devagar, como se processasse o absurdo.

LAURINHA - (irônica, fria) Meu Deus. Que milagre da ciência, uma mulher bêbada, desequilibrada e deprimida engravidou. De quem?

SELENA - (seca) Do Eriberto.

Laurinha se levanta. O robe desliza um pouco no ombro, revelando a alça de um body preto. Ela anda até a varanda com o copo na mão, as costas eretas. Quando fala, a voz é um sussurro ameaçador.

LAURINHA - Essa vadiazinha conseguiu.

SELENA - (sem emoção) Ela quer contar pra imprensa. Disse que vai dar uma entrevista exclusiva, falar da relação deles, da gravidez, da “verdade oculta por trás da campanha”.

LAURINHA (- vira-se lentamente) Ela é um perigo. Não só pra campanha. Pro país. Pro Eriberto.

SELENA - Pra você.

Silêncio. Laurinha encara Selena, com um misto de fúria e cálculo. Cruza as pernas, acende um cigarro.

LAURINHA - (calma, glacial) Então eu vou fazer o que sempre se faz com um tumor. Vou extirpar. Antes que infeccione tudo.

Selena a observa. Não aprova. Mas não contesta.

SELENA - (baixa, cansada) Cuidado, Laurinha. Você já não é mais uma menina. E Alice é doente. Mas doente com instinto de sobrevivência. E você sabe o que esses seres fazem quando acuados.

Laurinha se aproxima devagar, o cigarro entre os dedos, e diz com um sorriso amargo:

LAURINHA - Eu também. Porque eu fui criada com um deles. No mesmo berço.
(Pausa) Agora, se me dá licença, eu tenho uma ligação pra fazer.

Selena observa Laurinha pegar o celular e discar calmamente. A câmera se afasta, enquanto ouvimos Laurinha falar ao telefone com frieza:

LAURINHA (- ao telefone) É sobre a Alice. Sim. Preciso que ela desapareça. Mas antes, amos deixá-la acreditar que está vencendo.

CORTA PARA 

 

CENA 4 – RIO DE JANEIRO. EXT. ANOITECE

 

SONOPLASTIA: “Rio 40 Graus” – Fernanda Abreu


Imagens rápidas e estéticas de transição entre o final da tarde e o início da noite no Rio de Janeiro. O céu em tons alaranjados dá lugar ao azul profundo. As luzes da cidade vão acendendo, uma a uma, em Copacabana, Leme, Botafogo, Santa Teresa, Laranjeiras. O Cristo Redentor se ilumina. Helicópteros sobrevoam a orla. Uma sirene ao fundo. O mar avança e recua, indiferente.

A música reforça a sensualidade e o caos da cidade.

Corta para:

IMAGEM – VIADUTO DO GÁSÔMETRO


Um grupo de jovens dança passinho sob o concreto grafitado. Um homem de terno atravessa apressado, desviando deles com desdém.

IMAGEM – LARGO DO MACHADO


Um outdoor gigantesco de Eriberto Albuquerque com a frase:
 “Pelo Brasil que você merece”. Alguém pichou por cima: “Menos hipocrisia”. Dois policiais observam, mas não fazem nada.

CORTE SECO – VISTA PANORÂMICA DA ZONA SUL


No fundo, as luzes do Palácio das Laranjeiras se destacam. O poder segue intocado.

CORTA PARA:

 

CENA 5 – PALÁCIO DAS LARANJEIRAS. SUÍTE DE ERIBERTO E STELLA. INT. NOITE

A suíte é ampla, imponente, marcada por tons neutros e obras de arte discretamente caras. Uma leve brisa balança as cortinas brancas diante das janelas abertas para a cidade. A iluminação é quente, mas o clima é frio.

ERIBERTO está de pé, diante de um espelho veneziano, terminando de ajustar a gravata. STELLA está sentada na poltrona com um tablet no colo, lendo os comentários dos jornais e portais.

ERIBERTO - (sem encarar Stella) É insano manter o baile. A Sibeli morreu há dois dias, Stella. E foi assassinada.

STELLA - (sem levantar os olhos) Foi assassinada, sim. Mas não por você. Nem por mim. A não ser que você tenha um segredo para me contar.

ERIBERTO - (irritado) Não brinque com isso.

STELLA - (numa calma cirúrgica) Não estou brincando. Estou lidando com fatos. Aos olhos da imprensa — e do eleitorado — você não está de luto. Você está na antessala da Presidência.

Ela se levanta, caminha até ele, pega sua gravata, afrouxa, e refaz com mais perfeição.

STELLA - (baixando o tom) Um homem em luto não dá entrevistas no jardim do palácio com a camisa branca aberta até o peito. Não sorri pra câmera. Não agradece pelo apoio do povo com aquele ar de mártir sensual.

ERIBERTO - (afastando-se) Você acha mesmo que isso é estratégia?

STELLA - Acho que é instinto. E por isso você precisa de mim. (pausa, firme)Vamos fazer o baile. Com toda a pompa. Convidamos até quem nos odeia. Mostramos que estamos acima. O Rio ainda precisa de espetáculo, e você é o ator principal.

ERIBERTO - (estanca) Você fala como se a Sibeli fosse um empecilho.

STELLA - (olha nos olhos dele) Ela foi um acidente. E você não pode perder a chance de mostrar ao Brasil que sabe caminhar mesmo com um cadáver à sombra.

ERIBERTO - (senta, exausto) Você não tem alma, Stella?

STELLA -Eu tenho ambição. E uma noção muito clara do que separa os vencedores dos vencidos. (sorri, seca) Você está casado com a mulher errada se quiser compaixão.

Ela sai da suíte com passos firmes. Eriberto fica só. A cidade brilha ao fundo.

CORTE PARA:

CENA 6 – HOTEL COPACABANA PALACE. BAR. INT. NOITE

SONOPLASTIA – “SAY IT RIGHT” – NELLY FURTADO, EM TOM BAIXO, ENVOLVENTE.

O bar está discretamente movimentado. Luz âmbar. Pessoas elegantes em conversas contidas. O som da música misturado ao tilintar de taças e risadas abafadas.

ZILDA MARIA sofisticada, cabelos presos, vestido impecável, luvas curtas, já está sentada, diante de uma taça de vinho tinto. Elegância congelada em mágoa.

EVELYNmistério, beleza sombria, salto agulha, surge da penumbra como um sussurro. Traz uma clutch preta discreta, quase clássica.

Elas se encaram como duas personagens que já sabiam que se encontrariam.

ZILDA MARIA -(sorrindo com amargura) Esperança ou chantagem?

EVELYN - (debochada, mas tensa) Prova. Só isso. O que Stella fez não pode mais ficar enterrado.

EVELYN entrega discretamente um pequeno pen-drive prateado, envolto num lenço de seda.

ZILDA MARIA - (olha para o objeto como quem segura dinamite) E por que agora?

EVELYN - (pausa) Porque Laurinha não aguenta mais viver no escuro. Porque você não aguenta mais fingir e viver de marketing político.

ZILDA guarda o pen-drive na bolsa. Silêncio. A música continua.

ZILDA MARIA - (seco) Se eu abrir isso. Se for real, não tem volta.

EVELYN - (olhos úmidos, firme) Não tem volta desde que ela matou Bruno e Celeste. Desde que Laurinha foi enterrada viva nesse teatro da moral.

ZILDA MARIA respira fundo. Seu olhar se torna mais cortante. Surge uma mulher que há muito estava adormecida.

ZILDA MARIA- (baixa, firme)Stella vai cair. E quando isso acontecer. Laurinha vai renascer. Com ou sem Eriberto.

EVELYN - (dura) Sem. Ele não sobrevive a esse escândalo.

CORTA PARA:

SONOPLASTIA SOBE. “SAY IT RIGHT” – REFRÃO.


A câmera se afasta lentamente das duas, que continuam a conversar. Um pacto selado à sombra dos holofotes.

CORTA PARA:

CENA 7. SHOPPING LEBLON. PRAÇA DE ALIMENTAÇÃO. INT. NOITE

 

SONOPLASTIA – OLHA – MARIA BETHÂNIA – instrumental

 

A praça de alimentação está movimentada, mas discreta. Pessoas elegantes, música ambiente, garçons passando com bandejas.

MARCELOterno bem cortado, mas desajustado e ROBERTO, mais despojado, de camisa social aberta e jeans de alfaiataria ocupam uma mesa no canto. Riem de algo no celular. A cumplicidade entre eles é clara, quase encantadora.

ROBERTO - (numa provocação suave) Você nunca foi de rir assim. Vai dizer que sou eu que te deixo mais leve?

MARCELO - Você me tira da defensiva. Isso, por si só, já é um milagre.

Roberto segura a mão de Marcelo, discreto, mas firme. Nesse momento, ANA MARIA, imponente, casaco de pele mesmo no verão aparece ao fundo, ao lado de CAROLINA, altiva, colar de pérolas, blazer de tweed.

Ambas congelam ao ver o casal. Carolina arregala os olhos. Ana Maria esboça um sorriso de desprezo.

ANA MARIA - (baixo, sarcástica) Que cena mais (com nojo) moderna.

CAROLINA - (grudando o braço da mãe, já andando até a mesa) Vamos acabar logo com essa palhaçada.

As duas se aproximam. Marcelo percebe. O sorriso se desfaz, como se uma nuvem sombria encobrisse o rosto.

ANA MARIA - (olhando Roberto dos pés à cabeça) Boa noite, cavaleiro. Imagino que seja você a companhia que meu neto anda mantendo escondida da imprensa.

ROBERTO - (cortês, mas com ironia) Boa noite, dona Ana Maria. É um prazer finalmente conhecer a lenda.

CAROLINA - Você acha isso engraçado? Sabia que sua presença aqui não apenas envergonha o Marcelo, mas toda a família?

MARCELO - (erguendo-se, firme) A única vergonha aqui é esse teatro decadente que vocês insistem em encenar.

ANA MARIA - (incisiva) Você tem sobrenome, Marcelo. Não é um desses garotos da Lapa.

ROBERTO - (tom mais duro, de defesa) O que a senhora está tentando dizer?

CAROLINA -Só estamos dizendo que isso não é normal.

MARCELO - (feroz) Eu vou fazer um boletim de ocorrência contra vocês. Por homofobia.

Silêncio. Ana Maria e Carolina congelam. A frase reverbera como uma bomba.

ANA MARIA - (rindo seca) Você não ousaria.

MARCELO - (olhos marejados, mas decidido) Ousaria. Porque cansei de viver sob a tirania de vocês duas.

Roberto segura o braço de Marcelo, tentando acalmá-lo. Mas Marcelo está ereto, altivo, como se finalmente tivesse saído da sombra.

CAROLINA - (baixando o tom, ameaçadora) Você sabe o que acontece com quem enfrenta a própria mãe em público, Marcelo?

MARCELO - (grave) Vira um homem.

Marcelo pega sua mochila, dá um beijo leve em Roberto e sai à frente. Roberto lança um último olhar gélido para Ana Maria e Carolina e segue o namorado.

As duas ficam ali, imóveis, como estátuas de um tempo que não se sustenta mais.

CORTE PARA:

 

 

CENA 8. RUA DESERTA. EXT. NOITE


SONOPLASTIA — “TERROR AT NORTHFIELD” — BERNARD HERRMANN

A rua está vazia, envolta em névoa fina que dança com o vento frio da madrugada. O som distante de uma coruja corta o silêncio opressor. Lâmpadas amarelas oscilam, lançando sombras trêmulas sobre o asfalto rachado e cheio de poças escuras.

ALICE caminha com passos lentos e hesitantes em direção a um prédio velho, quase esquecido pelo tempo. A fachada descascada parece observar cada movimento dela, como um olho vazio e faminto. O vento levanta folhas secas e pedaços de papel, rodopiando ao redor de seus pés.

Ela puxa o celular do bolso, os dedos trêmulos de frio e ansiedade. O brilho azul da tela destaca seu rosto pálido, onde o medo é quase palpável.

ALICE - (voz baixa, trêmula) Laurinha. É aqui mesmo? Número 312 da Rua das Palmeiras?

No outro lado da linha, a voz fria e firme de LAURINHA responde, enquanto dentro de um carro, ela cuidadosamente cobre a placa com uma fita preta, seus olhos brilhando sob a penumbra do veículo.

LAURINHA - Só espera aí, tô chegando.

O som do motor ronca baixo, ecoando contra as paredes vazias da rua.

ALICE fica imóvel, olhando ao redor como se o medo materializasse sombras que se movem nas bordas da sua visão. Seus olhos percorrem as janelas quebradas e os cantos escuros, onde a luz da lua mal alcança.

Ela começa a discar o número de ERIBERTO, mas seus dedos tremem demais para completar a ação.

De repente, o som de um carro se aproxima — um ronco grave que ressoa como um trovão pela rua silenciosa.

Os faróis aparecem na curva da rua lateral, iluminando um momento o rosto de Alice, que arregala os olhos em pânico.

Mas o carro desaparece antes que ela possa reagir.

Sem avisos, um veículo surge da escuridão com brutalidade, deslizando pela rua em alta velocidade.

ALICE tenta correr, mas é tarde demais. O carro a atinge com violência, um impacto brutal que a lança ao chão.

O som abafado do corpo caindo ecoa na noite fria. O silêncio que se segue é pesado, como se a própria rua prendesse a respiração.

LAURINHA desce do carro lentamente, os saltos altos batendo ritmadamente no chão frio, o som reverberando como uma sentença de morte.

Ela caminha até Alice, que permanece imóvel, os olhos fixos no céu enevoado.

Com dedos frios, toca o pescoço da mulher, como quem confirma uma sentença.

A ausência de pulso, a imobilidade perfeita.

LAURINHA sorri, um sorriso gelado, sombrio, de quem sabe que venceu.

Ela se ajoelha junto ao corpo e, olhando para o céu cinzento, sussurra quase com reverência:

LAURINHA - Agora, ninguém vai mais te escutar.

A câmera sobe lentamente, capturando a figura solitária de Laurinha sob a luz vacilante da rua, enquanto a sonoplastia de Bernard Herrmann cria uma atmosfera de terror que envolve tudo — a cidade, o silêncio e a morte.

CORTE PARA:

 

 

CENA 9. AEROPORTO. Saguão. INT. NOITE

O saguão do aeroporto está iluminado por luzes frias e brancas, refletindo no chão polido e nos vidros que revelam a cidade distante, um mosaico de luzes vibrantes e silenciosas. O som abafado das malas rolando, passos apressados e anúncios distantes cria uma atmosfera de expectativa e ansiedade.

MÁRCIA atravessa a entrada, o rosto fechado, os olhos cansados, mas resolutos. Seu casaco escuro cobre parte do corpo, o olhar vasculha o local à procura de alguém.

Ao lado de uma pilastra, EVELYN a observa, o semblante sério, mas com uma ponta de esperança. Junto a ela, GIUSEPPE mantém uma postura rígida, a expressão carregada de culpa e arrependimento.

Giuseppe respira fundo e, com voz baixa e firme, se aproxima de Marcia.

GIUSEPPE - (olhando nos olhos dela) Eu te julguei mal. Quero ajudar a provar sua inocência.

Ele faz uma pausa, a sinceridade quase transparente no olhar cansado.

GIUSEPPE - (meio resignado) Sei que não mereço seu perdão, ainda.

Marcia mantém a postura firme, a dor e o ressentimento estampados no rosto.

MÁRCIA - (voz firme, mas contida) Não posso te perdoar agora. Mas aceito sua ajuda.

Ela vira o rosto levemente, evitando o olhar dele, mas as palavras são um convite à aliança.

O som ambiente diminui, o foco fica na troca tensa e silenciosa entre os dois.

Evelyn os observa, um leve sorriso de alívio atravessa seu rosto.

A câmera recua lentamente, capturando o trio solitário no saguão vasto e frio, envolto pela noite que insiste em permanecer silenciosa e opaca.

CORTA PARA:

CENA 10. COBERTURA DE LAURINHA. SALA DE ESTAR. INT. NOITE

A sala de estar da cobertura de Laurinha é ampla e luxuosa, iluminada apenas por algumas luminárias que criam um jogo de luz e sombra nas paredes. O ar é carregado, quase sufocante, um silêncio tenso que precede a tempestade.

Laurinha está sentada no sofá, elegante e fria, o olhar fixo em um ponto distante. A porta se abre e ERIBERTO entra, o rosto endurecido, cheio de pressentimentos.

Laurinha o observa por um instante, antes de falar com uma voz serena, quase letal.

LAURINHA - (sussurrando, com convicção) Me livrei do problema.

Eriberto franze o cenho, o corpo tenso, olhos buscando entender o que ela quer dizer.

ERIBERTO - (voz baixa, desconfiada)Que problema, Laurinha?

Laurinha levanta-se devagar, caminhando em direção a ele, o rosto iluminado pela luz indireta, um sorriso cruel se formando.

LAURINHA - (a voz firme, cortante) A chantagista, Alice. Eu acabei com ela.Para que ela não pudesse mais chantagear você com o bebê.

O silêncio que se segue é cortante, pesado, como se o próprio ar tivesse parado de circular.

Eriberto congela, o rosto pálido e imóvel, olhos arregalados refletindo a gravidade da confissão.

A câmera fecha em seu olhar, uma mistura de choque, medo e incredulidade, enquanto a luz tênue faz sombras dramáticas no seu rosto.

O som do relógio parece mais alto, marcando o instante que transforma tudo.

CORTA PARA: 

 

FIM

 

 

 

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