A OUTRA

CAPÍTULO 25

UMA NOVELA DE TAÍS GRIMALDI


CENA 1 - BOATE EM IPANEMA. INT. NOITE

A música pulsa alta, grave, dominando o ambiente como um coração descompassado. Luzes estroboscópicas cortam a pista, revelando corpos suados, sorrisos falsos, excessos à flor da pele.

Marisa surge entre a multidão como quem foge de si mesma. O cabelo desgrenhado, o olhar perdido, a respiração acelerada. Ela empurra pessoas, atravessa a pista sem pedir licença, tomada por uma urgência autodestrutiva.

O bar está lotado. Garrafas, copos, mãos que se estendem.

Marisa bate o copo no balcão.

MARISA — O mais forte que você tiver.

O BARMAN a observa por um segundo a mais do que o necessário, entende o pedido silencioso. Serve.

Marisa vira o copo de uma vez. Não faz careta. Pede outro com um gesto impaciente.

A música muda. A batida cresce. A pista ferve.

É quando ela vê STU DA QUEBRADA do outro lado do salão. Cercado, rindo alto, performático, livre. Os olhos deles se cruzam.

Stu abre um sorriso lento, malicioso, reconhecendo nela a mesma fome que o move.

Ele se aproxima. O corpo dança antes mesmo da palavra.

STU — Fugindo ou comemorando?

MARISA — Os dois.

Eles dançam. Próximos demais. A química é imediata, crua, quase violenta. Marisa ri pela primeira vez desde que saiu do palácio — um riso torto, sem alegria.

Stu se inclina, fala perto do ouvido dela.

STU — Você parece alguém que quer desaparecer por umas horas.

MARISA
— Hoje, eu quero apagar.

Eles se beijam. Um beijo urgente, desordenado, sem promessa alguma. A pista vibra ao redor, mas para Marisa o mundo se reduz àquele instante.

Stu segura a mão dela.

STU — Vem.

Eles atravessam a boate. Sobem uma escada lateral, longe da pista principal. O som ainda invade tudo, mas agora é abafado.

CORTA PARA:

CENA 2 - CAMAROTE. INT. NOITE

O espaço é mais escuro, mais fechado, carregado de fumaça e segredos. Algumas pessoas espalhadas, risos soltos, excessos evidentes.

Marisa entra como quem cruza um limite sem volta.

Stu fecha a porta atrás deles.

Ele pega algo do bolso, discreto. Coloca sobre a mesa de vidro. Marisa observa, sem hesitar.

MARISA — Hoje eu não quero pensar.

STU — Então não pensa.

Ela se aproxima da mesa. As mãos tremem levemente, não de medo, mas de expectativa. Stu observa, atento, cúmplice.

Marisa ri de novo, agora mais solta, mais perdida.

MARISA — Minha mãe ia amar me ver assim.

STU — Ótimo. Nada melhor do que decepcionar quem acha que manda na gente.

Marisa fecha os olhos por um segundo. Inspira fundo. Quando abre, o olhar está vazio, decidido.

A música explode novamente, invadindo o camarote como uma sentença.

A câmera se aproxima do rosto de Marisa, já alterado, os olhos brilhando demais, o sorriso fora de controle.

Ela dança. Sozinha. Livre. Em queda.

Stu a observa, satisfeito, sabendo exatamente onde aquilo vai dar.

A noite engole Marisa sem piedade.

CORTE PARA :

CENA 3 – PALÁCIO DAS LARANJEIRAS. SUÍTE DE STELLA. INT. NOITE

A suíte está mergulhada numa penumbra elegante. A cidade pulsa distante pelas janelas altas, mas ali dentro o tempo parece suspenso. Abajures acesos projetam sombras longas, criando um clima de segredo e cumplicidade.

Stella está próxima à janela, taça de vinho na mão. O celular repousa sobre a mesa, ainda com a tela acesa. Ela sorri — um sorriso frio, satisfeito.

Selena observa da poltrona, pernas cruzadas, expressão felina.

STELLA — Amanda resolveu sair da toca. Está caçando a Paula Lee e a minha irmã.

Selena arqueia a sobrancelha, interessada. Um brilho de prazer contido surge em seu olhar.

SELENA — Finalmente. Demorou até demais.

Stella vira-se, caminha lentamente até Selena. Cada passo é calculado.

STELLA — Paula sempre se achou intocável. Moral demais para um jogo que nunca foi limpo.

Selena se levanta. As duas ficam frente a frente, muito próximas.

SELENA — E a Márcia, sempre acreditou que bastava coragem pra enfrentar gente grande.

Ela solta uma risada baixa, venenosa.

SELENA — Que ingenuidade charmosa.

Stella encosta o corpo no de Selena, provocativa.

STELLA — Confesso que é quase poético. Ver duas rivais correndo, sentindo medo.

Selena desliza os dedos pelo braço de Stella, lenta, deliberadamente.

SELENA — Nada excita mais do que o poder em movimento.

Os olhares se prendem. Há prazer naquela cumplicidade cruel.

STELLA — Amanda faz o trabalho sujo. E nós assistimos da primeira fila.

Selena aproxima a boca do ouvido de Stella.

SELENA — Brindemos então. À queda das virtuosas.

Stella fecha os olhos por um instante, saboreando a frase. Depois puxa Selena pela cintura.

O beijo vem quente, intenso, carregado de ironia e triunfo. Não é romance — é celebração. Um pacto silencioso.

As mãos exploram, provocam, sem pressa. O vestido de Stella escorrega pelo ombro. Selena sorri, satisfeita.

SELENA — Quando o mundo delas desabar. Nós estaremos aqui. Intactas.

STELLA — E rindo.

Elas se afastam apenas o suficiente para se olharem. Há desejo, mas há algo mais perigoso: sensação de vitória antecipada.

A câmera se afasta enquanto as duas desaparecem nas sombras do quarto.

Sobre a mesa, o celular vibra novamente.
Uma mensagem de Amanda Bonfim.

Stella lança um olhar rápido para a tela…
e sorri ainda mais.

CORTE PARA:

CENA 4 – COBERTURA DE PAOLA. SALA DE ESTAR. INT. NOITE

A sala está iluminada demais para a hora. Luz branca, quase agressiva, refletindo nos espelhos, nos vidros, nos detalhes luxuosos da cobertura. Ao fundo, a cidade pulsa viva, indiferente.

Paola está sentada no sofá, celular na mão, câmera frontal ligada. A LIVE já começou. O número de espectadores sobe rápido. Comentários explodem na tela, mas ela não lê. Encara diretamente a lente, sem piscar.

Respira fundo.

PAOLA — Chega de mentira.

Silêncio. O tipo de silêncio que prende quem assiste.

PAOLA — Eu fugi do país porque me expulsaram da minha própria vida.

Ela se inclina um pouco para frente. O rosto firme, mas os olhos carregados de ressentimento antigo.

PAOLA — Minha mãe e meu irmão. Resolveram que eu era um problema.

A palavra fica suspensa.

PAOLA — Quando descobriram que eu me prostituía. Não por dinheiro. Por prazer.

O choque atravessa a tela. Paola não vacila.

PAOLA — Foi isso que eles não suportaram. Uma mulher dona do próprio corpo. Do próprio desejo.

Ela sorri de lado, amarga.

PAOLA — A solução deles foi simples. Me matar sem me matar.

Ela faz um gesto curto com a mão.

PAOLA — Forjaram minha morte. Um enterro limpo. Uma família respeitável. E uma ovelha negra convenientemente enterrada.

A câmera treme levemente quando ela se levanta e caminha pela sala, ainda transmitindo.

PAOLA — Eu fui pra Europa pra sobreviver. Pra existir sem pedir desculpa.

Ela para diante da janela. A cidade refletida no vidro se mistura ao seu rosto.

PAOLA — Enquanto isso, eles seguiram aqui, fingindo luto, acumulando poder, usando meu “cadáver” como argumento moral.

Ela volta o olhar para a câmera, agora duro, incisivo.

PAOLA — Pois bem. O cadáver levantou.

CORTE INTERCALADO:

PALÁCIO DAS LARANJEIRAS. SALA DE ESTAR. INT. NOITE

Consuelo está diante da televisão ligada na live. O rosto dela se contorce entre pânico e fúria. A mão treme ao segurar o controle.

CONSUELO — Essa desgraçada…

Eriberto surge ao fundo, já lívido. Ele reconhece a voz antes mesmo de olhar para a tela.

Na TV, Paola continua.

PAOLA — Hoje eu volto. Não pra pedir perdão. Mas pra contar a verdade.

Eriberto se aproxima da televisão, o maxilar travado, os olhos em chamas.

Na tela, Paola finaliza:

PAOLA — Quem tentou me apagar, vai ter que aprender a conviver comigo viva.

Ela encerra a live.

VOLTA PARA O PALÁCIO.

A televisão fica muda. O silêncio é ensurdecedor.

Consuelo deixa o controle cair no chão.

Eriberto passa a mão pelo rosto, em desespero contido. Pela primeira vez, parece pequeno.

CONSUELO — Ela acabou com a gente…

Eriberto não responde. Olha fixo para a tela preta.

Sabe que a guerra começou.

CORTA PARA:

CENA 5 – RIO DE JANEIRO. EXT. NOITE

SONOPLASTIA – “Rio 40 Graus” – Fernanda Abreu

A noite cai sobre o Rio com um calor que não se dissipa. O asfalto ainda respira o dia, as luzes da cidade piscam como nervos expostos. A música entra pulsante, irônica, urbana — o Rio sensual e nervoso, lindo e perigoso.

Em torno do Palácio, o movimento cresce como um organismo vivo.

Vans de emissoras estacionam uma a uma, formando um cerco improvisado. Antenas se erguem, cabos serpenteiam pelo chão, refletores são ligados sem cerimônia, rasgando a escuridão com luz branca e impiedosa.

Repórteres ajustam microfones, produtores falam apressados ao telefone, cinegrafistas testam enquadramentos tendo o palácio como pano de fundo simbólico do poder sitiado.

A fachada imponente agora parece menor, acuada.

Telões de celulares exibem recortes da live de Paola. Seu rosto congela em frames repetidos, compartilhados, comentados, distorcidos. A verdade já não pertence mais a ela — virou espetáculo.

Um jornalista entra ao vivo.

A legenda pisca:
“ESCÂNDALO NO GOVERNO DO RIO”

Mais pessoas se aproximam. Curiosos, assessores nervosos, seguranças tentando manter uma ordem que já não existe. O burburinho cresce, mistura indignação, excitação e fome por queda.

A música segue, debochada, quase dançante, contrastando com o clima de tensão.

De um ângulo alto, vê-se o palácio cercado por luzes, câmeras e olhos famintos. Um poder antigo, agora exposto, vigiado, encurralado.

O Rio observa. O Rio espera. O Rio não perdoa.

A música atinge o refrão enquanto as câmeras seguem ligadas, incansáveis.

CORTE PARA 

CENA 6 – BOATE. CAMAROTE. INT. NOITE

A música eletrônica pulsa alta demais, distorcida, quase agressiva. Luzes estroboscópicas cortam o espaço em flashes violentos de azul, roxo e vermelho. O camarote é um território de excessos: copos espalhados, corpos suados, risadas fora de tom.

MARISA está jogada no sofá, olhos vidrados, o sorriso torto de quem já passou do limite sem perceber. O rímel escorre, misturado ao suor. Sua respiração começa a falhar, curta, irregular.

STU DA QUEBRADA dança perto dela, elétrico, provocador — até perceber que algo está errado.

Ele se aproxima.

MARISA tenta falar, mas a voz não sai. Sua mão treme no ar, como se buscasse algo invisível. A cabeça pende para o lado.

STU - Marisa? Ei… olha pra mim.

Ele segura o rosto dela. Os olhos não focam. As pupilas dilatadas denunciam o perigo.

A música segue alta, indiferente.

MARISA começa a convulsionar levemente. O corpo perde o controle. Um fio de saliva escapa do canto da boca.

STU entra em pânico.

STU - Gente! Para tudo! Ela não tá bem!

Ninguém escuta. A festa continua como se nada estivesse acontecendo.

Desesperado, Stu empurra pessoas, derruba um copo, grita.

STU - Chama ajuda! Pelo amor de Deus!

Ele pega o celular com mãos trêmulas. Erra a senha. Respira fundo. Consegue discar.

STU -Alô? Ambulância! Agora! Ela tá em overdose! (pausa, quase chorando) Boate em Ipanema… camarote… ela vai morrer!

Ele volta para Marisa, segura sua cabeça, tenta mantê-la acordada.

STU - Não dorme. Não dorme, ouviu? Fica comigo. (sussurrando, desesperado) Não faz isso comigo… não agora.

Marisa murmura algo incompreensível. O corpo relaxa demais. Assusta.

O som da música começa a ser abafado por um ruído distante — uma sirene que se aproxima, ainda longe, mas real.

Stu encosta a testa na dela, em pânico absoluto.

STU - Aguenta. Aguenta só mais um pouco.

A câmera fecha no rosto de Marisa, pálido, frágil, à beira do colapso.

O mundo ao redor continua dançando.

CORTA PARA:

CENA 7 – RIO DE JANEIRO. PALÁCIO. EXT./INT. NOITE

A multidão de jornalistas ocupa cada centímetro em frente ao palácio. Flashes estouram. Gritos se sobrepõem. A palavra “PAOLA” ecoa como sentença.

SONOPLASTIA DE FUNDO – Ruído urbano, helicóptero distante, flashes.

INT. PALÁCIO – CORREDOR DE SERVIÇO – NOITE

STELLA caminha apressada, óculos escuros apesar da noite, o rosto tenso. SELENA surge das sombras, prática, atenta.

STELLA - (baixo, urgente) Eu vou viajar. Agora. Vou encontrar Amanda Lee. Se eu ficar mais um minuto aqui, viro manchete ou alvo.

SELENA - O palácio está cercado. Não dá pra sair pela frente. Nem pelos fundos.

Stella respira fundo. Olha ao redor, sente o peso da decisão.

STELLA - Então me tira daqui como for.

Selena pensa por um segundo. Decisão tomada.

SELENA -  Vem comigo.

INT. GARAGEM DO PALÁCIO – NOITE

A garagem é mal iluminada. Um carro preto, discreto. Selena abre o porta-malas. Stella hesita.

STELLA - (irônica, nervosa) Nunca imaginei sair da própria casa assim.

SELENA - quem manda demais sempre acaba se escondendo.

Stella força um sorriso curto. Entra no porta-malas. Selena fecha com cuidado.

EXT. PALÁCIO – NOITE

O carro sai lentamente. Repórteres cercam, batem nos vidros.

REPÓRTER
Selena! Selena! Paola vai cair? Quem mais está envolvido?

Selena não responde. Olhar frio, calculado. Acelera no momento exato e escapa do cerco.

INT. CARRO – NOITE

Silêncio tenso. Apenas o som do motor e da respiração abafada de Stella no porta-malas.

STELLA (OFF, abafada) - Amanda Lee, se você souber metade do que está acontecendo aqui…

Selena dirige firme. Um leve sorriso surge — não de alívio, mas de quem sabe que o jogo está só começando.

CORTA PARA:

CENA 8 – RIO DE JANEIRO. VIAS EXPRESSAS / AEROPORTO PARTICULAR. EXT./INT. NOITE

A cidade brilha indiferente. Faróis, túneis, viadutos. O carro de SELENA corta o trânsito com segurança excessiva.

INT. CARRO DE SELENA – NOITE

SELENA dirige tensa, mas focada. O rádio desligado. Silêncio absoluto.

No porta-malas, abafada, STELLA respira com dificuldade, segurando o riso nervoso e o medo — excitação e perigo misturados.

EXT. VIAS EXPRESSAS – NOITE

A alguns metros, um carro escuro acompanha cada movimento.

INT. CARRO DE MÁRCIA – NOITE

MÁRCIA dirige sozinha. Olhar duro, calculista. Nenhuma pressa. Nenhuma dúvida.

Ela observa o carro de SELENA entrar em uma alça de acesso menos movimentada.

MÁRCIA - (irônica, para si) Aeroporto particular. Claro. Muito discreto.

Ela acelera levemente, mantendo a distância perfeita.

EXT. ESTRADA DESERTA – NOITE

Os dois carros agora estão praticamente sozinhos. O clima muda. O silêncio vira ameaça.

INT. CARRO DE SELENA – NOITE

SELENA olha rapidamente pelo retrovisor.

Nada.

Respira aliviada — cedo demais.

INT. PORTA-MALAS – NOITE

STELLA fecha os olhos, sorri.

EXT. AEROPORTO PARTICULAR – NOITE

O portão se aproxima. Um segurança já sinaliza a entrada.

O carro de SELENA reduz.

O carro de MÁRCIA também.

INT. CARRO DE MÁRCIA – NOITE

MÁRCIA pega o celular. Faz uma foto do carro de SELENA entrando.

Sorri. Um sorriso perigoso.

MÁRCIA - Agora eu sei exatamente pra onde você vai (pausa) E com quem.

EXT. AEROPORTO PARTICULAR – NOITE

O portão se fecha atrás do carro de SELENA.

MÁRCIA passa direto, sem levantar suspeitas.

Mas seus olhos queimam.

CORTA PARA:

 

CENA 9 – HOSPITAL PARTICULAR. SAGUÃO / UTI. INT./EXT. NOITE

O hospital virou praça pública.

EXT. HOSPITAL – NOITE

Caminhões de reportagem, flashes incessantes, repórteres falando ao vivo.

GCs se sobrepõem nas telas dos celulares e TVs ligadas:

“MARISA, DJ E FILHA DO GOVERNADOR, EM ESTADO GRAVE”
“OVERDOSE EXPÕE BASTIDORES DO PALÁCIO DAS LARANJEIRAS”
“SILÊNCIO DA FAMÍLIA INTRIGA”

O nome de MARISA domina a internet.

INT. HOSPITAL – SAGUÃO – NOITE

Seguranças tentam conter jornalistas. O clima é de histeria controlada.

No meio do caos, PAOLA.
Sozinha. Elegante demais para o lugar. Fria demais para a situação.

Ela observa tudo com um misto de culpa e distanciamento.

INT. CORREDOR DA UTI – NOITE

PAOLA caminha até um MÉDICO experiente, sério, cansado.

PAOLA - Eu sou da família.

O médico a examina por um segundo — percebe que ela é a única ali.

MÉDICO -A overdose foi grave. Se a ambulância tivesse demorado mais alguns minutos…

Ele deixa a frase morrer.

PAOLA - Mas?

MÉDICO - Mas ela vai sobreviver.

PAOLA fecha os olhos. Não é alívio. É constatação.

PAOLA = Vai acordar?

MÉDICO - Sim. (baixa o tom) O que ela vai encontrar quando acordar… já é outra história.

PAOLA assente. Compreende demais.

INT. SALA DE ESPERA – NOITE

PAOLA se senta sozinha. Pega o celular.

As manchetes pipocam sem parar.

Ela digita algo, apaga. Digita de novo, trava.

Olha para a porta da UTI.

PAOLA - (para si) No fim, sempre sobra pra mim.

Ao fundo, o barulho distante da imprensa atravessa as paredes.

EXT. HOSPITAL – NOITE

Um repórter anuncia, eufórico:

REPÓRTER - Fontes confirmam que a família do governador ainda não chegou ao hospital…

A câmera se afasta, mostrando o cerco midiático crescendo.

CORTA PARA:

CENA 10 – AEROPORTO PARTICULAR. HANGAR / JATO EXECUTIVO. INT./EXT. NOITE

A noite é espessa. Sem lua. Sem testemunhas.

EXT. AEROPORTO PARTICULAR – NOITE

O carro de SELENA para próximo ao hangar, longe das luzes principais. Tudo é feito para não chamar atenção.

Selena desce rapidamente, olha em volta. Nenhum jornalista. Nenhuma câmera.

Ela abre o porta-malas.

STELLA surge de dentro, impecável apesar da situação.
Cabelos arrumados. Olhar firme. Nenhum traço de medo.

SELENA - É agora. (seca) Depois disso, cada uma por si.

Stella assente. Nenhuma palavra de gratidão.

STELLA - Sempre foi assim.

As duas caminham em direção ao jato, onde um PILOTO aguarda, discreto.

INT. JATO EXECUTIVO – NOITE

Stella entra sozinha.

O interior é luxuoso, silencioso demais.
Ela se senta. Cruza as pernas. Respira fundo.

Olha pela pequena janela.

O Brasil ficando para trás.

A porta do jato se fecha.

EXT. HANGAR – NOITE

Selena observa o jato por alguns segundos.
Depois, vira as costas e caminha de volta para o carro.

Ela não percebe.

Do outro lado do hangar está MÁRCIA. Vestida de forma simples, quase invisível. Ela surge das sombras, como quem pertence àquele lugar. Márcia observa Selena se afastar.

Um meio sorriso surge. Ela se aproxima de um FUNCIONÁRIO distraído. Márcia entrega algo discretamente — dinheiro dobrado. O funcionário hesita. Depois, libera a passagem.

INT. JATO EXECUTIVO – NOITE

Stella fecha os olhos por um instante.

O motor começa a ser preparado.

Então, um ruído mínimo atrás. Stella abre os olhos. Nada. Ela respira, tenta se acalmar. Mas o perigo não avisa.

CORTE PARA:

No fundo do jato, quase invisível entre compartimentos e sombras…

MÁRCIA.

Acomodada, escondida, imóvel. O olhar atento. Calculista. Viva.

Ela observa Stella à distância. Silenciosa. Paciente. Predadora. O jato começa a se mover lentamente na pista.

MÁRCIA - (sussurro quase inaudível) Boa viagem, Stella.

A câmera se afasta. O jato acelera.

DECOLA NA NOITE.

CORTA PARA:

 

CENA 11 – JATO EXECUTIVO. INT. NOITE

SONOPLASTIA: “QUE PAÍS É ESSE?” – LEGIÃO URBANA

O jato já está em voo. As luzes internas são suaves, quase cúmplices.

A música entra irônica, política, agressiva, contrastando com o luxo do interior da aeronave.

STELLA está sentada sozinha, elegante, olhar perdido no nada.
O mundo abaixo dela é pequeno demais agora.

Ela fecha os olhos por um instante. Respira. Sorri de leve. Fuga, poder, vitória. A música cresce.

CORTA PARA:

CENA 12 – JATO EXECUTIVO. CABINE. INT. NOITE

Stella abre os olhos e aperta o botão de chamada.

STELLA - Champanhe.

Ela cruza as pernas, impaciente. Alguns segundos depois, passos se aproximam. Stella não olha. Uma taça de champanhe surge diante dela.

Stella pega a taça, mas congela. A mão que segura a bandeja não é a da comissária. Stella ergue o olhar. MÁRCIA. Diante dela. Viva. Sólida. Irrevogável. O mundo de Stella desmorona em silêncio.

STELLA - (grita, descontrolada) NÃO!

Ela se levanta abruptamente, derruba a taça. O champanhe escorre pelo carpete como sangue claro.

STELLA - O que você tá fazendo aqui?! (com ódio, pânico) Isso é impossível!

Márcia fecha a porta da cabine com calma.

MÁRCIA - Impossível foi você achar que ia embora sozinha.

Stella anda de um lado pro outro, fora de si.

STELLA - Você é louca! Você não devia estar aqui! Isso não era pra acontecer!

Márcia permanece firme. O olhar é direto, cortante.

MÁRCIA - Eu vim atrás da verdade.

Silêncio pesado.

MÁRCIA - Chegou a hora, Stella. (aproxima-se) A noite em que a mamãe morreu. Celeste.

Stella empalidece.

MÁRCIA - E o Bruno também.

Stella tenta rir. Um riso falso, desesperado.

STELLA - Você sempre foi fraca. Sempre inventando monstros pra justificar suas culpas.

Márcia não reage.

MÁRCIA - Eu quero saber o que você fez. Sem versões. Sem teatro.

Stella treme.

A música continua abafada ao fundo, irônica.

MÁRCIA - (encurralando) O que aconteceu naquela noite, Stella?

Stella abre a boca para falar.

Os olhos se enchem de algo antigo: culpa, ódio, medo.

Ela respira fundo.

Vai falar.

CORTA PARA:

CENA 13 – JATO EXECUTIVO / BAÍA DE GUANABARA. EXT./INT. NOITE

Antes que qualquer palavra seja dita…

Um ESTRONDO SECO.

Violento. O jato treme brutalmente. As luzes piscam. Stella grita. Márcia se segura em uma poltrona. Outro impacto. Mais forte. A música corta abruptamente.

ALARMES.

O jato perde estabilidade.

STELLA - (gritando) NÃO! NÃO! NÃO!

Márcia tenta se aproximar.

O chão inclina. O céu e o mar se misturam pelas janelas.

CORTE PARA:

EXT. BAÍA DE GUANABARA – NOITE

O jato surge em chamas no céu do Rio. Por um segundo, parece suspenso no ar. Então: EXPLOSÃO. Um clarão corta a noite. Destroços atingem a água. O fogo se apaga no impacto. Silêncio. A Baía volta a parecer tranquila demais.

CORTA PARA:


FIM

 

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